Irregularidades trava pregão de R$ 22 milhões em Franco da Rocha e põe TCE em alerta
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) determinou a suspensão imediata do Pregão Eletrônico nº 15/2025 da Prefeitura de Franco da Rocha, após receber duas impugnações com pedidos de medida cautelar. O certame, previsto para o dia 28 de julho de 2025, tinha como objetivo contratar uma empresa para gerenciar todo o processo logístico de medicamentos e materiais hospitalares da rede pública municipal, com valor estimado em mais de R$ 22 milhões.
Pontos Principais:
- Pregão de R$ 22 milhões da Prefeitura de Franco da Rocha é suspenso pelo TCE-SP.
- Empresa Polimatas e advogada Miriam Athie apresentaram impugnações com pedido cautelar.
- Denúncias apontam falhas no edital, exigências abusivas e ausência de clareza técnica.
- Prefeitura apresentou justificativas e prometeu ajustes, mas não evitou a suspensão.
- Decisão preventiva visa garantir legalidade, transparência e competitividade no certame.
A representação foi protocolada por duas frentes: a empresa Polimatas Gestão Estruturante e Organizacional Ltda., que atua na área de gestão pública, e a advogada Miriam Athie, especializada em direito administrativo. Ambas alegaram falhas graves no edital que, segundo elas, comprometem a legalidade, a transparência e a competitividade do processo licitatório. O pedido de paralisação foi considerado urgente e analisado em caráter preliminar.
Entre os principais argumentos da Polimatas estão a falta de clareza no detalhamento técnico do serviço, a ausência de uma reserva orçamentária suficiente para arcar com as obrigações contratuais e a inexistência de pesquisa de preços eficaz que garanta compatibilidade com o mercado. A crítica mais contundente, porém, recai sobre a ausência de informações precisas sobre a estrutura que a contratada teria que assumir, incluindo reformas físicas e locação de equipamentos, o que, segundo a empresa, pode configurar direcionamento velado.
Já a advogada Miriam Athie concentrou sua impugnação em exigências consideradas abusivas no campo da qualificação técnica. Entre elas, a ausência de definição das parcelas de maior relevância, a imposição de atestados de fornecimento de bens – mesmo sendo uma contratação de serviços – e a exigência de que esses documentos contenham detalhes específicos como papel timbrado, e-mail e telefone do emissor, o que extrapola os padrões usuais da administração pública. Também foi contestada a omissão da comissão responsável pela avaliação técnica da prova de conceito.
A Prefeitura de Franco da Rocha, notificada oficialmente, apresentou defesa técnica no processo. Afirmou que os medicamentos envolvidos não exigem manipulação farmacêutica, apenas armazenagem e entrega. Informou também que a lista de insumos foi elaborada com base no consumo histórico do município, excluindo itens de alto custo e judicializados. No quesito equipe, alegou que os profissionais exigidos – como farmacêuticos e auxiliares – estão em conformidade com as normas da Anvisa e do Conselho Federal de Farmácia.
A administração municipal reconheceu parcialmente os apontamentos e prometeu ajustes. Um dos principais foi a retirada da cláusula que exigia experiência anterior mínima de 50% da capacidade técnica, o que restringia a participação de empresas com menos histórico em contratos semelhantes. Apesar disso, a prefeitura manteve a obrigatoriedade da apresentação de ao menos um atestado de experiência compatível com o objeto da licitação.
O relator do processo, Conselheiro Marco Aurélio Bertaiolli, decidiu conceder a medida cautelar com base no conjunto das denúncias e justificativas apresentadas. O principal argumento foi a existência de cláusulas contraditórias no edital, especialmente no que diz respeito à reestruturação física de unidades farmacêuticas e à proibição da participação de consórcios – algo que contraria precedentes do próprio TCE em contratações de grande porte.
Outro ponto que pesou na decisão foi o cronograma de implantação previsto, que exige fases de instalação, testes, validação e transição operacional sem indicar com clareza como esses marcos seriam fiscalizados. Segundo o relator, isso pode ferir o artigo 92, inciso VII, da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que exige que essas condições estejam previamente acordadas entre as partes e descritas com exatidão no edital.
Com a decisão, a Prefeitura de Franco da Rocha – representada pela prefeita Lorena Rodrigues, pela secretária de Saúde Grazielle Cristina Bertolini e pelo secretário de Assuntos Jurídicos Felipe Antonioli – está proibida de dar continuidade a qualquer etapa do pregão até nova deliberação. Foi também intimada a enviar, no prazo de 10 dias úteis, todos os documentos, esclarecimentos e publicações relacionadas ao edital, incluindo recursos administrativos e impugnações anteriores.
O processo agora aguarda referendo do Plenário do Tribunal de Contas, mas já serve de alerta para administrações públicas que, ao tentar modernizar a gestão de medicamentos e insumos de saúde, não podem negligenciar o rigor técnico e jurídico dos editais. Em licitações de alta complexidade, qualquer brecha pode ser vista como tentativa de direcionamento ou restrição indevida de concorrência.
A decisão marca mais um capítulo na série de análises rigorosas do TCE-SP sobre contratos públicos no setor da saúde. A exigência por mais transparência, isonomia e precisão documental mostra que a nova Lei de Licitações tem sido levada a sério por órgãos de controle, que atuam como guardiões da legalidade em tempos de contratos vultosos e crescentes demandas sociais.
Entrevista com o Dr. Hermano Leitão
Entrevista exclusiva com o Dr. Hermano Leitão sobre a suspensão do Pregão Eletrônico nº 15/2025 em Franco da Rocha. Acompanhe o especialista.
1. Doutor Hermano, o senhor foi um dos advogados que atuou diretamente na impugnação do edital. Qual foi o principal motivo para ingressar com a representação no TCE-SP?
Sem dúvida, a ausência de clareza no edital e a complexidade do objeto licitado sem o devido detalhamento foram os principais fatores. Estamos falando de um contrato milionário que envolve toda a logística de medicamentos e materiais hospitalares, mas o edital falha em especificar obrigações críticas, como a reestruturação de farmácias e almoxarifado, o que poderia resultar em um contrato nebuloso, caro e de difícil controle. Nossa atuação visou justamente proteger o interesse público e garantir lisura no processo.
2. Alguns críticos podem dizer que impugnar licitações atrasa serviços essenciais, como o fornecimento de medicamentos. Como o senhor responde a esse tipo de argumento?
Compreendo a preocupação, mas é preciso entender que a pressa não pode se sobrepor à legalidade. Quando uma licitação apresenta vícios graves, como neste caso, ela se torna um risco maior do que a própria suspensão. O fornecimento de medicamentos deve ser contínuo, claro, mas também precisa ser feito com contratos válidos, justos e transparentes. Senão, o que começa mal pode terminar ainda pior, com sobrepreço, má execução e prejuízo à população.
3. A Prefeitura alegou que vários pontos questionados estavam devidamente esclarecidos e que algumas correções já estavam em curso. Isso foi suficiente?
Não. As justificativas da Prefeitura foram genéricas e não resolveram o cerne das irregularidades apontadas. Um bom exemplo é a exigência de infraestrutura por parte da contratada, como reformas e locação de equipamentos, que sequer constava nos anexos técnicos. Além disso, havia previsão de um cronograma de implantação vago e vedação à participação de consórcios, o que restringe a competitividade. Mesmo com a promessa de ajustes pontuais, a essência do problema persistia.
4. Na sua visão, essa decisão do TCE-SP pode se tornar um marco para outras licitações semelhantes em municípios do estado?
Sem dúvida. A decisão demonstra que o Tribunal de Contas está atento à forma como os editais públicos vêm sendo elaborados, especialmente em setores sensíveis como a saúde. Editais genéricos ou excessivamente restritivos não passam mais despercebidos. Essa suspensão é um alerta claro: é possível modernizar a gestão pública, mas dentro dos limites legais e com total respeito à transparência e à competitividade.
5. Qual seria, na prática, o caminho ideal para a Prefeitura retomar esse processo de maneira regular?
A primeira providência é revisar integralmente o edital, com apoio técnico e jurídico qualificado. Isso inclui reescrever cláusulas mal formuladas, divulgar corretamente os critérios de avaliação, garantir a publicidade da comissão técnica e permitir a participação de consórcios, especialmente em contratos de alta complexidade. Se o município adotar essas medidas com seriedade, poderá republicar o pregão com segurança jurídica, justiça concorrencial e eficiência administrativa.
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