Fake news e disseminação de mentiras
Editorial por Bia Ludymila (MTB 0081969/SP) – A Construção da Mentira: Falsificações de Certificados de Vacinação Revelam a Falta de Honestidade de Figuras Políticas

No tratado de ética de Aristóteles, há uma definição de homem verídico como aquele que é sincero em sua vida e em suas palavras, reconhecendo suas próprias qualidades sem exageros ou subtrações. Porém, quando nos perguntamos se essa definição se aplica a figuras políticas como Jair Bolsonaro, Luiz Inácio e os presidentes da Câmara e do Senado, assim como deputados e senadores em geral, a resposta se revela duvidosa.
No mundo político, a veracidade das palavras muitas vezes dá lugar ao embuste, conforme expressado pela célebre frase do cardeal Mazzarino, que ganhou o título de papa em 1632 para realizar missões diplomáticas. Mazzarino era conhecido por sua postura cínica, simulando, dissimulando, desconfiando de todos, elogiando a todos e antecipando suas ações.
Esses princípios parecem se encaixar perfeitamente nos protagonistas envolvidos no imbróglio das falsificações de certificados de vacinação, com destaque para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Será que ele não sabia o que seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, estava fazendo? Será que Cid não utilizou um computador do Palácio do Planalto para acessar os sistemas do Ministério da Saúde e obter documentos falsos de vacinação para o presidente e seus familiares?
O problema da mentira é uma das pragas mais nefastas da humanidade. Falsas narrativas destroem reputações e são tão prejudiciais quanto a terrível pandemia de COVID-19, responsável por inúmeras mortes nos últimos anos. É lamentável constatar que, mesmo diante dos avanços científicos, da tecnologia e da inteligência artificial, que contribuem para o progresso e a longevidade da vida humana, a mentira e suas diversas formas, como narrativas enganosas, abordagens absurdas e visões apocalípticas, ganham cada vez mais espaço nas mãos dos manipuladores e usuários das redes sociais. Essas plataformas se transformam em palcos iluminados para o ego, propagando propaganda falsa, disseminando insultos e ignorando os danos causados à humanidade. Como bem disse Buda: “O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância”.
A sinceridade de um homem se manifesta quando ele é reto em suas palavras. A qualidade das palavras, por sua vez, reflete-se nos detalhes, nas minúcias, nos pequenos elementos de ideias e memórias que surgem de forma instintiva nas mentes dos interlocutores.
Em um momento histórico do Brasil, durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello, surgiram revelações importantes. Eriberto França, motorista da então secretária do presidente, Ana Acioli, afirmou que empresas vinculadas a PC Farias faziam depósitos em contas fantasmas. Esse fato foi simbólico e revelador. Naquela época, o contexto social favorecia as oposições, e um incidente emblemático ficou conhecido como o “caso Fiat Elba”, que se tornou um tormento para Collor. Hoje, em meio às recentes revelações envolvendo a falsificação de certificados de vacinação, podemos observar um paralelo curioso. O personagem central dessa trama é o “Zé Gotinha”, como habilmente expressou o jornalista Octávio Guedes, da Globo News, cuja imagem tende a se transformar em um símbolo negativo para o presidente Jair Bolsonaro.
A verdade é que o “mentirário” – o confessionário das vacinas – está sendo trazido à tona, ameaçando minar as perspectivas eleitorais de Jair Messias. A manipulação da verdade e as falsas narrativas não são novidade na história. O ex-presidente encontra-se em uma situação delicada, pressionado por um dilema que envolve a cruz e a caldeirinha. Pode ser que os defensores ferrenhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não consigam avançar nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em curso, e acabem entregando, de bandeja, uma vitória para o bolsonarismo. Nesse caso, o capitão vislumbraria uma porta aberta para o futuro.
A distorção da verdade também encontrou espaço em momentos históricos protagonizados por outras figuras ilustres. Confúcio, por exemplo, modificou um calendário histórico chinês ao substituir algumas palavras. O texto original dizia: “O senhor de Kun condenou à morte o filósofo por ter dito frito e cozido”. No entanto, o sábio substituiu a expressão “condenou à morte” por “assassinou”. Lenin, por sua vez, pretendia descrever a exploração e a opressão da Ilha Sakhalin pela burguesia russa, mas, ameaçado pela polícia czarista, ele trocou “Rússia” por “Japão” e “Sakhalin” por “Coreia”.
A manipulação da história, seja por subtração ou acréscimo, tem sido uma artimanha utilizada por indivíduos que lidam com ideias para satisfazer seus próprios egos e preservar o poder.
Diante disso, surge a dúvida: a democracia não deve pagar um preço por essas práticas? A honra, a honestidade e a integridade não deveriam ser valores inalienáveis no paradigma da administração pública? Ou estamos presenciando uma situação em que a ética dos poderosos prevalece sobre a ética dos humildes?
As perguntas permanecem, e a sociedade como um todo precisa refletir sobre esses dilemas que permeiam o cenário político atual. O confronto entre a verdade e a mentira, entre o conhecimento e a ignorância, é um desafio constante que demanda vigilância e um compromisso inabalável com a transparência e a responsabilidade. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais justa e íntegra.
*Com base no texto do professor Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP e consultor político; Jornal da USP.
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