Advogado chama criança de 2 anos de “algoz contumaz” e é condenado por abuso judicial no DF
Em um caso que desafia a lógica e testa os limites da razoabilidade jurídica, um advogado morador do Distrito Federal foi condenado a pagar R$ 4 mil de indenização por danos morais após registrar boletim de ocorrência contra uma criança de dois anos. O episódio começou com desentendimentos típicos entre coleguinhas de creche, mas tomou proporções judiciais após o pai de um dos envolvidos denunciar o outro como reincidente em agressões.
Pontos Principais:
- Advogado registra boletim de ocorrência contra criança de 2 anos por agressões na escola.
- Homem omitiu a idade do menino e o descreveu como “algoz contumaz” no BO.
- Justiça entendeu que houve abuso do direito e condenou o pai a pagar R$ 4 mil por danos morais.
- Juíza criticou a tentativa de criminalizar um comportamento infantil e apontou má-fé.
- Defesa do pai alega que ele apenas tentou proteger o filho e agiu com base em provas e no MP.
O episódio ocorreu entre julho e agosto de 2024, quando duas crianças — ambas com apenas dois anos — se envolveram em pequenos conflitos na escola. A mãe do menino acusado relatou ter se desculpado com o outro pai e com a criança agredida, tomando medidas pedagógicas com o filho. No entanto, o pai da suposta vítima decidiu registrar o caso oficialmente na Polícia Civil do DF, buscar apoio na 21ª Delegacia de Polícia de Taguatinga Sul e acionar o Conselho Tutelar.
No boletim de ocorrência, feito online, o homem — que é advogado — usou linguagem técnica e intencionalmente omitiu a idade das crianças. Descreveu o menino como “algoz contumaz”, alegando histórico de violência e omissão por parte dos pais. A descrição, sem indicar que se tratava de uma criança de apenas dois anos, acabou gerando um processo cível por parte da mãe da criança denunciada.
A juíza Márcia Regina Araújo Lima, da 3ª Vara Cível de Águas Claras, não teve dúvidas: viu abuso do direito de petição, má-fé na ocultação da idade e uso desproporcional de estruturas públicas — como polícia e conselho tutelar — para resolver uma situação que caberia à mediação escolar ou ao diálogo entre os responsáveis. A sentença apontou que o advogado quis dar aparência criminal ao episódio, distorcendo os fatos.
O caso gerou consequências não apenas jurídicas, mas emocionais. A criança denunciada passou a ser tratada de forma diferenciada no ambiente escolar, e sua mãe relatou sofrimento, angústia e constrangimento após descobrir que o filho era alvo de um boletim de ocorrência policial. A defesa da mãe argumentou que a atitude do advogado foi desproporcional, abusiva e causou danos reais à criança e à família.
Na resposta oficial, o pai afirmou ter agido “no exercício regular de um direito” e disse que apenas tentou proteger a integridade física e emocional do próprio filho. Alegou ter buscado antes o apoio da escola, que teria confirmado episódios anteriores de agressão por parte do outro menino. Segundo a defesa, vídeos e áudios ambientais comprovariam as alegações.
O Ministério Público do Distrito Federal, citado na defesa do pai, teria reconhecido sua conduta como legítima dentro do papel de proteção à criança. Mesmo assim, a Justiça entendeu que houve omissão estratégica de informações — sobretudo da idade dos envolvidos — o que agravou a situação e comprometeu a análise isenta por parte das autoridades inicialmente acionadas.
O caso também expôs um possível despreparo institucional, uma vez que o boletim foi aceito pela Polícia Civil mesmo com a falta de informações básicas. Questionada pela reportagem, a corporação ainda não se pronunciou sobre a atuação dos agentes no momento do registro da ocorrência.
A sentença aponta ainda que, sendo o autor um advogado, há uma responsabilidade técnica adicional na forma como ele se utiliza do sistema jurídico. A juíza destacou que o uso de expressões como “algoz contumaz” ultrapassou o relato factual e atribuiu ao menino uma carga criminal inaceitável. A Justiça entendeu que esse tipo de conduta compromete a credibilidade das instituições quando usada de forma exagerada ou intencionalmente manipulada.
Apesar da condenação na esfera cível, a defesa do pai garante que outras instâncias — como a criminal e a administrativa — já teriam reconhecido sua inocência. A decisão de primeira instância ainda pode ser alvo de recurso. No entanto, o caso abre espaço para um debate mais amplo sobre a judicialização da infância, o bom senso no exercício da cidadania e os limites da litigância na defesa de interesses legítimos.
O que é “algoz contumaz”?
A expressão “algoz contumaz” é uma construção de linguagem formal e jurídica que combina dois termos:
- Algoz: originalmente, era quem executava penas de morte ou torturas. No uso moderno, significa alguém que causa sofrimento ou tormento a outra pessoa. Pode ser entendido como “agressor”, “opressor” ou “perseguidor cruel”.
- Contumaz: significa alguém reincidente, persistente em determinado comportamento, geralmente negativo ou desobediente. É alguém que insiste no erro ou na infração, mesmo após advertência.
Portanto, chamar alguém de “algoz contumaz” equivale a dizer que a pessoa é uma agressora cruel e reincidente, ou seja, alguém que causa danos intencionais de forma persistente.
No caso citado, o uso dessa expressão para descrever uma criança de 2 anos foi considerado desproporcional e inadequado, justamente por aplicar uma carga de intencionalidade e crueldade que não condiz com a capacidade e compreensão típicas de uma criança nessa idade.
O que diz o pai que registrou o BO
Em resposta à recente divulgação de trechos da sentença cível condenatória relacionada aos fatos mencionados, cumpre esclarecer que, ao contrário do que foi inicialmente divulgado, a condenação não decorre de ofensas, mas sim do fato de que o pai, exausto diante das constantes agressões sofridas por seu filho de apenas dois anos de idade no ambiente escolar, decidiu agir em defesa da integridade física e emocional da criança. O que não esperava era ser, por isso, penalizado.
A conduta do pai – que também é advogado – limitou-se ao registro de boletim de ocorrência e à comunicação aos órgãos competentes. Ambos os atos são legítimos e amparados pelo exercício regular de um direito, conforme reconhecido expressamente em manifestações do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que atuou no caso como fiscal da lei, em razão do interesse de menor.
Ao relatar os fatos às autoridades, o pai utilizou termos técnicos e jurídicos compatíveis com seu ofício, sem, em momento algum, imputar categoricamente crimes ou qualificações ofensivas aos envolvidos. As expressões empregadas tiveram como único intuito narrar acontecimentos concretos vivenciados por seu filho, jamais ferir a honra de terceiros.
Importante destacar que os episódios relatados foram comprovados em ação de produção antecipada de provas, por meio da qual se obteve acesso a filmagens que confirmam as agressões, além de áudios ambientais em que a responsável pela escola reconhece a existência de histórico de violência, fato também confirmado por declarações de outros pais em situação semelhante.
Vale ressaltar que, antes de qualquer iniciativa legal, o pai buscou reiteradamente auxílio da escola e dos profissionais responsáveis. Sua postura sempre foi de confiança nas instituições e de tentativa de resolução pacífica, com o único objetivo de evitar tragédias como a recentemente noticiada pela mídia nacional, na qual uma criança foi brutalmente agredida em pleno palco escolar.
Salienta-se, ainda, que os mesmos fatos foram analisados em outras esferas, administrativa e criminal, nas quais o pai foi absolvido, justamente porque sua conduta foi reconhecida como mero exercício regular de direito.
Dessa forma, mesmo diante de sua atuação legítima e equilibrada como pai e cidadão, foi surpreendido com uma condenação que será firmemente combatida por meio de recurso próprio, com o objetivo de restabelecer a justiça, especialmente porque seu único intuito sempre foi proteger seu filho.
Com informações de g1.
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