Editorial – Segurança Pública no Brasil: Desafio para o Estado de Direito
Por Bia Ludymila (MTB 0081969/SP) – A segurança pública no Brasil se tornou um problema central e um desafio fundamental para o Estado de Direito ao longo da última década.
O tema ganhou uma visibilidade sem precedentes, dominando os debates tanto entre especialistas quanto entre o público em geral.
A crescente taxa de criminalidade, a sensação de insegurança cada vez maior, especialmente nos grandes centros urbanos, a deterioração do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições do sistema de justiça criminal, a violência policial, a ineficiência preventiva das instituições, a superlotação nas prisões, rebeliões, fugas, condições precárias de internação de jovens infratores, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problemas de eficiência na investigação criminal, perícias policiais e morosidade judicial, entre muitos outros, representam desafios para o processo de consolidação política da democracia no Brasil.
A extensão e a variedade de temas e problemas relacionados à segurança pública alertam para a necessidade de um debate qualificado sobre o assunto e a incorporação de novos atores, cenários e paradigmas às políticas públicas.
O problema da segurança não pode mais ser tratado apenas no âmbito do direito e das instituições da justiça, particularmente no que diz respeito à justiça criminal, prisões e polícia. As soluções devem passar pelo fortalecimento da capacidade do Estado em lidar com a violência, pela melhoria da gestão das políticas públicas de segurança e pelo estabelecimento de maior diálogo entre as instituições públicas, a sociedade civil e a produção acadêmica relevante para a área.
Os gestores responsáveis pela segurança pública, além dos policiais, promotores, juízes e burocratas do setor público, devem enfrentar esses desafios e garantir que o amplo debate nacional sobre o tema se transforme em um real controle das políticas de segurança pública. Além disso, é essencial estimular parcerias entre órgãos governamentais e a sociedade civil na busca por segurança e qualidade de vida para os cidadãos brasileiros.
Em suma, é necessário ampliar a sensibilidade de todo o complexo sistema de segurança aos influxos de novas ideias e energias provenientes da sociedade, criando um novo referencial que enxergue a segurança como um espaço importante para a consolidação democrática e para o exercício de controle social.
Planos de combate à violência: Desafios e Perspectivas
Nos últimos anos, a segurança pública tem se tornado um dos temas mais debatidos e pesquisados no Brasil, especialmente no estado de São Paulo.
Apesar disso, as discussões e a visibilidade pública do problema ainda não tiveram um impacto definitivo na produção de conhecimento acadêmico nessa área. Embora muitos pesquisadores tenham se dedicado ao assunto, a reflexão sistemática sobre as políticas públicas de segurança ainda é escassa, e é necessário estabelecer um diálogo mais abrangente entre a produção acadêmica e as instituições envolvidas com a segurança.
Essa dificuldade se deve, em grande parte, à tradição jurídica e policial brasileira, que encara a segurança como um problema exclusivo de juristas e profissionais da área. A segurança pública continua sendo abordada de forma limitada, com foco na lei e na ordem, resultando em discussões estéreis sobre mecanismos punitivos, especialmente no âmbito do direito penal e da administração da justiça criminal. Essa abordagem se reflete na composição das instituições de segurança pública, que são majoritariamente formadas por profissionais do direito, com formação técnica específica fornecida pelas próprias instituições.
Em outros lugares do mundo, principalmente no contexto anglo-saxão, profissionais da justiça criminal têm buscado formação complementar em universidades, encontrando espaço e abertura para construir conhecimento de forma interdisciplinar. Universidades e centros de pesquisa têm se tornado locais importantes para a formação complementar e a realização de pesquisas acadêmicas ou aplicadas relacionadas aos problemas que afetam a qualidade do serviço das instituições de segurança.
Nesse contexto, a segurança pública tem passado por uma importante mudança de perspectiva. Deixou de ser vista apenas como um problema do Estado, das instituições criminais e do direito. A nova abordagem reconhece a segurança como um espaço de participação comunitária, afeta outras áreas governamentais além da área criminal e requer uma abordagem multidisciplinar, especialmente das ciências humanas. Além disso, a segurança pública é vista como um problema de ordem regional ou global, e também como um campo de experimentação para questões fundamentais relacionadas à garantia da ordem social em um contexto de globalização, que traz consigo novos desafios e demanda soluções inovadoras.
A internacionalização do crime, as novas formas de criminalidade eletrônica, a desestruturação do mercado de trabalho interno, a fluidez das fronteiras e os novos paradigmas do crime como um empreendimento lucrativo são problemas que exigem uma nova configuração da segurança pública, que desafia nossa tradição criminal, essencialmente inquisitorial.
No entanto, a lentidão do sistema, uma polícia ainda fortemente burocrática, a falta de comunicação entre as instituições de segurança, a formação inflexível dos profissionais, a baixa capacitação, a incitação ao crime e à violência policial como forma de controle social, a falta de arejamento nas estruturas estatais, a dificuldade na produção e circulação de informações no contexto institucional, além de uma concepção militar da segurança, dificultam a assimilação das experiências internacionais e a presença de pesquisadores no cotidiano das instituições.
Esperamos que, neste novo milênio, os desafios da segurança pública sejam enfrentados e que haja uma abertura para a participação e a transparência na administração pública. Não se trata apenas de aprimorar os mecanismos de detecção do crime e de captura de criminosos. No novo cenário das políticas de segurança, é necessário aprimorar as estratégias preventivas e ampliar o controle social sobre as instituições públicas. Estamos apenas no início dessa nova realidade. Para superar o panorama limitado da segurança, herdado de uma visão estatizante e populista, na qual o crime é alvo de políticas repressivas padronizadas e de baixo impacto, é preciso conceber que os chamados crimes sem vítimas devem ser o desafio para superar o abismo entre segurança e cidadania, entre segurança e defesa dos direitos humanos.
Nessa perspectiva, o OSP (Observatório de Segurança Pública) pretende apresentar as políticas de segurança pública no estado de São Paulo, acompanhando seu desenvolvimento e fornecendo aos leitores elementos para uma compreensão crítica. Reconhecemos a importância, nos últimos anos, do surgimento de planos de segurança pública que buscam ampliar a concepção restrita de segurança.
Redemocratização e os desafios da segurança pública: Um olhar sobre a história
A história do Brasil revela um cenário complexo em relação à segurança pública, onde as práticas sociais e institucionais tradicionais muitas vezes se sobrepõem às políticas deliberadas.
Desde o período colonial, a administração da justiça e a aplicação da lei estavam concentradas em poucos cargos, havendo uma dispersão de mecanismos de vigilância e punição. Durante o Império, as províncias mantiveram certa autonomia, e a punição era executada publicamente, muitas vezes aplicada aos escravos.
Com a República, a pena de prisão e o federalismo se tornaram a norma, mas as instituições de segurança pública permaneceram praticamente inalteradas. Durante períodos de exceção, como o Estado Novo e a Ditadura Militar, violações de direitos e abusos por parte das instituições se tornaram comuns. Mesmo durante períodos democráticos, as garantias constitucionais nem sempre foram respeitadas, evidenciando a persistência de práticas como a tortura, a corrupção e as rebeliões em presídios.
A análise histórica é fundamental para compreender os desafios atuais da segurança pública e buscar soluções efetivas para promover a proteção e os direitos dos cidadãos.