Vigilância, oração e esperteza

Por Professor Auro Mizuka – Arautos do Evangelho.

Engana-se quem pensa que só os maus são espertos. A piedade aguça a inteligência, desabrocha as qualidades do homem e obtém o socorro do Céu. Na cidade de Tréguier (França), está sepultado Santo Ivo, sacerdote, venerado como o “Advogado dos Pobres”. Seu túmulo tornou-se centro de peregrinações.

Numa tarde dois cavaleiros chegaram na praça diante de uma casa em cuja fachada se lia: “Pousada Santo Ivo das Duas Espadas”.

— Queremos falar com a dona da Pousada. Ela está?—perguntou um deles. — Sim, senhor, é com ela que falam. Chamo-me Teresa, às vossas ordens! — Somos negociantes de pedras preciosas. Queremos hospedagem por alguns dias. O meu nome é Márcio e o meu sócio chama-se Mauro.

— Sejam bem-vindos à terra de Santo Ivo. Vou preparar dois aposentos, uma boa refeição e mandar acomodar as vossas montarias.

Enquanto Da. Teresa atendia os dois forasteiros, examinava-os atentamente. Com menos de 35 anos, tinha experiência da vida. Com a morte do marido, assumira a direção da Pousada e o cuidado dos três filhos. Observava bem aqueles negociantes achando prudente desconfiar das suas intenções.

Por sua vez, os dois recém-chegados examinaram com atenção a hospedeira e a casa. O crucifixo no salão, as imagens da Virgem Maria e dos Santos, todos os arranjos ali denotavam vida de piedade e devoção.

O Mauro disse: — Ela é uma “beata”, e portanto, deve ser uma tola. O negócio aqui vai ser fácil. Basta sermos bem espertos, não é?

— Sim, claro! Para os tolos, os sermões e as procissões. Para nós, os lucros. Após se instalarem, os dois desceram para o refeitório, onde lhes foi servido um bom jantar. Antes de se recolherem, foram falar com a dona da Hospedagem. O Márcio disse-lhe: — Senhora, queremos que guarde esta caixa com as pedras preciosas no seu cofre. — Perfeitamente, temos um cofre, forte e seguro. — Mas, não me leve a mal se pedir uma garantia — insistiu o hóspede. — Sim, tem todo o direito. Qual deve ser essa garantia. — Que só entregue esta caixa a qualquer um de nós na presença do outro, pois este é o único meio de evitar desavença entre nós dois. É uma medida para a senhora não ser responsabilizada por alguma má ocorrência. — Está bem! Bom descanso, senhores.

A dona da Pousada foi guardar a preciosa caixa no cofre e os dois hóspedes foram para os seus quartos.

No dia seguinte de manhã, pediram à Da. Teresa para lhes trazer a caixa, retiraram algumas pedras e saíram para os seus negócios. Ao cair da tarde, retornaram satisfeitos e foram solicitar a caixa, na qual depositaram os seus valores. Passou-se assim uma semana, seguindo sempre a mesma rotina.

Certo dia, Márcio desceu sozinho e comunicou que desejava pagar as despesas da hospedagem, pois iriam partir para outra cidade. A Da. Teresa fez as contas e apresentou-lhe o recibo.

— Meu sócio já vem a descer. Poderia buscar já a caixa, para nos entregar quando ele chegar?

Ouvindo os passos do outro no corredor em cima, a hospedeira abriu o cofre, tirou a caixa e depositou-a sobre a mesa. Márcio sorridente, pagou-lhe a quantia da despesa e pediu uma fatura. Da. Teresa foi ao armário para pegar o papel. Quando voltou percebeu que estava sozinha na sala.

Em poucos segundos, o negociante tinha desaparecido com a valiosa caixa de pedras preciosas.

Logo ela percebeu a armadilha que os dois facínoras lhe haviam preparado. Mauro certamente iria reclamar em juízo a indenização pela metade das pedras preciosas. Ela talvez tivesse que vender todos os seus bens, e ficaria reduzida à pobreza. Mas não faltava coragem nem presença de espírito à Da. Teresa, mulher de vigilância e de oração. Fez uma ardorosa prece pedindo ajuda à Protetora dos Cristãos e a Santo Ivo.

O outro bandido, o Mauro, chegou na sala, cumprimentou-a e manifestou surpresa fingida por não ver o sócio dele.

— Ele saiu de modo inesperado sem nada dizer, penso que não deve demorar. Enquanto aguardamos a sua volta, vou à cozinha tomar algumas providências.

Dito isto, retirou-se, não para a cozinha, mas para a Capela da Pousada. De joelhos diante da imagem de Santo Ivo, implorou a sua ajuda.

Houve algum milagre? Não se sabe. Certamente, Santo Ivo confiou-lhe algo.

O certo é que Da. Teresa sorriu e saiu confiante, sentindo uma mensagem gravada na sua alma. Chamou a Polícia e deu-lhe breves explicações.

— Siga a indicação que Santo Ivo me deu. Vá a todo galope pela estrada de São Bernardo, para apanhar o ladrão na Gruta do Trigal, onde está escondido.

Ao retornar à sala, Mauro disse-lhe, com sorriso desdenhoso:

— Bem, senhora, já que o meu sócio, pelos vistos, desapareceu, peço-lhe que me traga a caixa com as jóias confiada aos seus cuidados. — Ah, senhor, isso não posso fazer. Devo trazer a caixa apenas quando os dois estiverem presentes. Terá de aguardar a chegada do seu companheiro. Por esta o farsante não esperava. Então dessa beata, dessa rezadeira de intermináveis “rogai-por-nós”, quem poderia esperar tamanha sagacidade? Na incerteza, resolveu sondar o terreno: — A senhora pode, pelo menos abrir o cofre, para provar que a caixa está lá? — Por acaso o senhor desconfia do seu sócio Márcio? — Senhora! Não se brinca com um negociante experimentado como eu. Ou abre já o cofre, ou irei imediatamente fazer uma denúncia. — Espere um pouco mais. O senhor Márcio não tarda a chegar, trazido aqui pela polícia. — Pela polícia? Perguntou Mauro, surpreso. — Sim, senhor! A polícia partiu a galope para o prender na Gruta do Trigal, onde estaria à sua espera, conforme vocês haviam combinado.

Ao ouvir isto, o ladrão percebeu que o plano estava descoberto. Qualquer nova artimanha seria inútil. Ficou ali para aguardar os acontecimentos. Pouco tempo depois, entraram os policiais trazendo Márcio algemado. Sentindo-se também já encarcerado, e muito confuso, o Mauro só teve jeito para perguntar:

— Como a senhora descobriu tudo tão depressa? — Fiz o que Jesus ensinou: vigiei, orei e agi. A verdadeira piedade aguça a inteligência e faz desabrochar as qualidades. Sobretudo, obtém-nos o socorro do Céu. Rezei a Santo Ivo e ele atendeu-me. Na prisão não lhes faltará tempo para meditar sobre a vossa má vida. Tirai bom proveito para a salvação da vossa alma.

Fonte: Associação dos Custódios de Maria – 1ª Edição – Abril / 2006.