A partir desta quarta-feira (6), o café brasileiro que desembarcar nos Estados Unidos será taxado em 50%, segundo decreto assinado pelo presidente Donald Trump. A medida, que exclui mais de 700 produtos de exceção, atinge diretamente um dos pilares do agronegócio nacional e afeta de maneira severa a cadeia produtiva na região de Campinas (SP), especialmente nos municípios de Espírito Santo do Pinhal e Santo Antônio do Jardim.
Pontos Principais:
Com uma produção de 1,2 milhão de sacas em 2024, a regional de São João da Boa Vista, à qual pertencem essas cidades, representa 25% da safra de café do estado de São Paulo. O impacto da tarifa repercute não só nos números da exportação, mas na segurança econômica de centenas de produtores locais que até então viam o mercado americano como destino certo para o café que cultivam há gerações.
João Moraes, engenheiro agrônomo e produtor em Santo Antônio do Jardim, sente a pressão mesmo sem exportar diretamente para os EUA. Com uma propriedade de 85 mil hectares e produção anual de 3 mil sacas, ele aposta no turismo e na torrefação local como forma de compensar a possível queda nos preços. “Vivemos uma mudança de ciclo produtivo. Essa tarifa cria instabilidade e derruba valores no curto prazo”, afirma.
O Brasil exportou quase US$ 2 bilhões em café para os EUA em 2024, cerca de 16,7% do total embarcado. Uma interrupção nesse fluxo representa não apenas prejuízo imediato, mas a necessidade de redesenhar rotas comerciais, ajustar contratos e encarar a volatilidade de um mercado já pressionado por mudanças climáticas e custos logísticos.
Henrique Gallucci, presidente do Conselho do Café da Região de Pinhal, acredita que a medida de Trump não vai durar. “O consumidor americano toma café como quem toma água. O Brasil exporta 8 milhões de sacas para os EUA. Se parar, a gente estoca e espera o bom senso voltar”, disse, com tom pragmático. Ainda assim, o cenário atual é de cautela e vigilância.
Kelly de Souza Ferreira, diretora da faculdade de Relações Internacionais da PUC-Campinas, alerta para o tempo necessário de adaptação. “Buscar outros mercados é possível, mas leva tempo. E esse intervalo de adequação compromete o rendimento dos produtores. A saída imediata é o mercado interno, mas ele não absorve todo o volume exportado”, explicou.
Produtores e especialistas agora precisam lidar com uma reconfiguração inesperada. Para além das perdas financeiras, há o custo de reposicionamento: novas embalagens, negociações com torrefadoras, acordos com redes de supermercados e campanhas para valorizar o consumo de cafés especiais no Brasil. Tudo isso exige capital, planejamento e resiliência.
O turismo rural surge como uma alternativa viável. A região já atrai visitantes em busca de experiências ligadas à produção cafeeira. Com a nova realidade, propriedades como a de Moraes investem em melhorias na estrutura de visitação, degustação e venda direta ao consumidor. A aposta é transformar a crise em oportunidade, focando na conexão entre sabor, origem e narrativa local.
Apesar do abalo, há quem veja no tarifaço um empurrão para a inovação. Cafés gourmets, produção orgânica, certificações de sustentabilidade e storytelling de marca ganham espaço como diferenciais de mercado. No entanto, a escala de exportação ainda é insubstituível no curto prazo, e o risco de perdas estruturais é real.
Enquanto isso, o governo federal tenta manter a diplomacia ativa com Washington, buscando costurar acordos e reduzir os impactos da medida. Até que algo mude, o café brasileiro vai precisar ser ainda mais forte para seguir quente na xícara dos americanos — ou conquistar novos paladares mundo afora.
Com informações de g1