São Paulo dá adeus aos livros do MEC e lança ensino digital próprio nas escolas estaduais em 2024

Pela primeira vez, o estado de São Paulo rompe com o programa federal de livros didáticos e decide investir em um material próprio, com foco digital, para mais de 5 mil escolas da rede estadual. A mudança, que passa a valer em 2024, promete uniformizar o conteúdo pedagógico, mas levanta questionamentos sobre inclusão digital, autonomia docente e impacto no setor editorial brasileiro.
Publicado em São Paulo dia 7/08/2025 por Alan Corrêa

O governo do Estado de São Paulo decidiu, de forma inédita, abandonar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, e a partir de 2024 implementará um material próprio, integralmente digital para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. A medida foi anunciada pela Secretaria de Educação e impactará diretamente a rotina de professores e estudantes das 5,3 mil escolas da rede estadual.

Pontos Principais:

  • São Paulo não usará mais os livros do Programa Nacional do Livro Didático a partir de 2024.
  • O estado optará por material próprio, 100% digital no ensino médio e anos finais do fundamental.
  • A decisão visa uniformizar o conteúdo pedagógico em mais de 5 mil escolas da rede estadual.
  • Entidades do setor editorial pedem explicações e alertam para impacto econômico e educacional.
  • Faltam detalhes sobre infraestrutura digital e acesso universal para estudantes e professores.

O PNLD é um dos programas mais consolidados da educação pública brasileira. Através dele, escolas municipais e estaduais recebem, gratuitamente, livros selecionados a partir de um catálogo elaborado pelo MEC. O abandono dessa política pública por São Paulo causou surpresa e provocou reação imediata da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais, que solicitou esclarecimentos formais à pasta estadual.

Segundo a Secretaria de Educação, a escolha de produzir conteúdo didático próprio foi motivada pela busca de coerência pedagógica com o currículo do Estado de São Paulo. O secretário executivo da pasta, Vinicius Neiva, explicou que a proposta é uniformizar os livros utilizados atualmente, criando uma única base digital para toda a rede. O argumento central está na tentativa de garantir alinhamento de conteúdo e metodologia em todas as unidades escolares.

Para os anos iniciais do ensino fundamental, o novo material será digital, mas com suporte físico — uma espécie de versão impressa de apoio. Já do 6º ao 9º ano e em todo o ensino médio, o conteúdo será totalmente digitalizado. A proposta acompanha uma tendência de digitalização da educação, mas também esbarra em gargalos tecnológicos e sociais, como a desigualdade de acesso à internet e à infraestrutura tecnológica adequada nas escolas.

Embora a medida tenha sido anunciada como estratégica, ainda não há informações detalhadas sobre como será realizada a transição do material impresso para o digital em regiões com conectividade limitada. Educadores e especialistas já manifestam preocupações quanto à aplicabilidade da proposta, sobretudo em comunidades mais vulneráveis e no impacto direto sobre o desempenho escolar dos estudantes.

Outro ponto que inquieta o setor educacional é o possível efeito sobre a autonomia pedagógica dos professores. Com um único material unificado, educadores podem se ver limitados na adaptação de conteúdos às realidades locais. A escolha dos livros no PNLD, mesmo dentro de um catálogo, permitia certa margem para adequações — o que agora poderá desaparecer com a padronização digital imposta de cima para baixo.

A exclusão de São Paulo do PNLD também deve gerar impacto significativo no setor editorial. Como maior rede de ensino do país, o estado representa uma fatia considerável da produção e distribuição de livros didáticos. A decisão paulista pode alterar o equilíbrio econômico do mercado e obrigar editoras a se adaptarem a novos modelos de distribuição e licenciamento digital.

A falta de transparência sobre os critérios técnicos adotados para a escolha do novo material também gera incertezas. Não foram divulgadas informações sobre os responsáveis pela produção dos conteúdos, nem sobre os mecanismos de avaliação pedagógica ou a capacitação dos professores que utilizarão a nova plataforma digital.

Apesar das críticas, a Secretaria de Educação defende que o material próprio permitirá maior atualização de conteúdos, maior adequação ao currículo estadual e melhor acompanhamento dos processos de aprendizagem. No entanto, até o momento, o projeto não apresenta estudos de impacto ou relatórios públicos que sustentem essas promessas.

Com a implementação marcada para o próximo ano, São Paulo se antecipa a uma possível transformação nacional no modelo de ensino público, mas também se expõe ao risco de desorganizar políticas públicas consolidadas sem apresentar garantias claras de eficácia ou inclusão. Em meio a avanços tecnológicos e velhas desigualdades estruturais, a educação paulista entra em um novo capítulo — digital, sim, mas ainda sob muitas interrogações.