O cenário urbano de São Paulo apresenta uma contradição preocupante.
Enquanto a cidade conta com quase 590 mil imóveis particulares vazios, a quantidade de pessoas vivendo em situação de rua chega a ultrapassar 30 mil, segundo dados do Censo da População em Situação de Rua realizado pela Prefeitura em 2021. Essa discrepância alarmante, destacada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coloca em destaque a urgência em buscar soluções integradas para a crise de moradia e habitação na metrópole.
Especialistas ressaltam que esse crescimento no número de pessoas morando nas ruas está intrinsecamente ligado à combinação de dois fatores cruciais: a prolongada crise econômica que o país enfrenta desde 2014, resultando em um aumento do desemprego, especialmente nas camadas mais vulneráveis da população, e a ausência de ações concretas no campo da política habitacional. Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e arquiteta e urbanista especializada em política habitacional, destaca a falta de programas efetivos para atender essa faixa de renda nos âmbitos federal e municipal, enfatizando a necessidade de maior empenho na retomada e fortalecimento dessas políticas.
Em meio ao cenário de crise, São Paulo também testemunhou um “boom imobiliário” durante a pandemia, o que contribuiu para o aumento dos preços dos terrenos e, consequentemente, dificultou o pagamento de aluguel pelas famílias de baixa renda. Essa tendência contraditória, relacionando crescimento do mercado imobiliário com dificuldades habitacionais, destaca uma questão central: os interesses financeiros frequentemente se sobrepõem às necessidades habitacionais da população.
Outra preocupação é o aumento do número de famílias inteiras vivendo nas ruas, apontando para uma crise emergente de moradia que reflete a falta de opções acessíveis para grupos familiares. O mercado imobiliário focado em ativos de médio a longo prazo, muitas vezes desconsidera as necessidades habitacionais imediatas e amplia o abismo entre oferta e acesso à moradia.
No perfil das pessoas em situação de rua, a desigualdade social é evidente. A predominância de homens negros, em torno dos 40 anos, reflete a realidade de desigualdade em que a sociedade brasileira ainda está inserida. Essa realidade heterogênea exige políticas públicas efetivas e inclusivas que possam enfrentar as diversas necessidades dessas pessoas e trazer uma abordagem integrada para a compreensão desse cenário.
É urgente que o poder público, instituições e a sociedade civil se unam em busca de soluções que promovam uma cidade mais justa e inclusiva, com políticas que interliguem saúde, educação, cultura, lazer e, sobretudo, habitação, visando diminuir as desigualdades e garantir o acesso digno à moradia para todos os cidadãos paulistanos. A compreensão dessa complexa realidade é o primeiro passo para a implementação de ações efetivas e necessárias para enfrentar a crise de moradia e oferecer uma nova perspectiva para a população em situação de rua.
*Com informações do jornal da Usp.