Quais são as propostas do governo para regulamentar as grandes empresas de tecnologia?

A administração Lula busca impor às plataformas o “dever de cuidado” para evitar a propagação de conteúdos que prejudiquem o Estado democrático de direito e incentivem a prática de crimes. Essa proposta é baseada em uma norma aprovada pela União Europeia recentemente.

A recente sublevação golpista ocorrida em 8 de janeiro forçou o governo federal a acelerar as discussões sobre regulamentação das big techs, remoção de conteúdos ilegais e criminosos da internet e novas regras para o ambiente digital no Brasil.

Com os estudos já em um estágio mais avançado no Palácio do Planalto, uma minuta foi enviada ao deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) no final de março. O parlamentar é o relator do projeto na Câmara que visa criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também conhecido como PL das Fake News.

Na última semana, os membros do governo responsáveis pela elaboração do pacote de normas digitais participaram de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal e apresentaram suas formulações que serão avaliadas pelos parlamentares.

Três eixos de ação

O governo federal acredita que é necessário realizar mudanças urgentes em três eixos relacionados ao ambiente digital no Brasil. O primeiro eixo envolve a remoção de conteúdos ilegais e criminosos das plataformas digitais que possam minar o Estado democrático de direito, estimular o terrorismo político e o racismo, e ameaçar direitos de crianças e adolescentes, bem como a aplicação de políticas públicas, especialmente na área da saúde. Nesse sentido, o governo propõe a introdução do “dever de cuidado” das plataformas, responsabilizando-as pelos danos causados ​​quando se trata de conteúdos criminosos propagados.

O segundo eixo de mudança envolve a incorporação, no Brasil, de regras semelhantes às previstas pelo Digital Services Act (DSA), a nova regulação da União Europeia (UE) sobre o tema, aprovada no final de 2022. As regras abrangem o risco sistêmico de violação de direitos inerente ao modelo de serviço das plataformas e a mitigação de danos que possam ocorrer.

O terceiro eixo é a inclusão de ideias mais modernas e em conformidade com parâmetros internacionais recentes sobre moderação de conteúdo e estratégias para coibir a propagação de desinformação no país. As diferentes esferas do governo federal optaram por levar toda a proposta ao Congresso, que irá avaliar a incorporação do texto ao Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News. O governo mantém conversas sobre o tema com os presidentes da Câmara e do Senado.

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), João Brant, acredita que as três linhas de debate podem ocorrer simultaneamente durante a tramitação do PL das Fake News. Apesar de enfrentar dificuldades para aprovar outros temas relevantes, como o novo marco fiscal, o governo está aberto ao diálogo com a Câmara dos Deputados e acredita que o momento é oportuno para o avanço nessas três direções.

Após a invasão das sedes dos Três Poderes por apoiadores radicais de Bolsonaro, o governo cogitou a edição de uma medida provisória para tratar do conceito de dever de cuidado e obrigar as plataformas a remover conteúdos ilegais e criminosos. No entanto, a ideia foi abandonada devido à delicadeza do tema e à necessidade de um debate mais amplo e institucionalizado para dirimir resistências, sobretudo relacionadas ao forte poder econômico das plataformas.

“Dever de cuidado”, Marco Civil e crimes

De acordo com Estela Aranha, coordenadora de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, a UE e a França enfrentam desafios regulatórios complexos no ambiente digital. Ela destaca que a regulação da internet envolve uma infinidade de questões e não pode ser resolvida por meio de um único projeto de lei. Aranha afirma que não há soluções simples para o debate da regulação digital.

O advogado Felipe Brant explica que o conceito de dever de cuidado é um instrumento importante para a preservação do Estado democrático de direito. Ele observa que todas as atividades econômicas são responsabilizadas no Brasil e em todo o mundo, mas as plataformas digitais não são responsabilizadas por conteúdos de terceiros devido ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, exceto quando o Judiciário ordena sua remoção e elas não o fazem. Isso significa que o Executivo e o Judiciário brasileiros não têm meios imediatos para agir em casos graves de conteúdo ilegal, deixando as plataformas impunes.

Segundo Aranha, essa falta de responsabilidade das plataformas impede o governo de agir em casos graves de conteúdo ilegal. Ela acredita que a mudança é necessária para responsabilizar as plataformas que permitem que crimes ocorram impunemente na internet. Caso contrário, o conteúdo ilegal continuará funcionando como um “dínamo” para a radicalização e o extremismo em massa. Aranha considera que a lei penal não é a melhor solução para esse problema.

A advogada afirma que a proposta do governo para flexibilizar o Marco Civil em casos de crimes não é uma forma de censura. Em vez disso, o governo está questionando as plataformas sobre a permissão de conteúdo ilegal na internet, já que elas recomendam, potencializam acessos e monetizam esses conteúdos, ganhando dinheiro com crimes contra a sociedade brasileira e a democracia. Aranha enfatiza que estão em questão crimes tipificados no Código Penal Brasileiro.

Brant acredita que a proposta de criar exceções no Marco Civil para crimes pode ser testada e, se bem-sucedida, expandida para outros conteúdos ilegais. Ele destaca que, se houver problemas de retirada excessiva de conteúdo, é possível voltar atrás sem grandes custos políticos.

Com informações de Infomoney