No silencioso amanhecer de 8 de julho de 1978, um devastador incêndio envolveu o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, consumindo praticamente a totalidade de sua coleção, composta principalmente por obras de arte, e levando consigo a valiosa biblioteca da instituição. Mais de 580 obras, cuidadosamente preservadas, foram engolidas pelas chamas naquela trágica noite.
Foi sob a sombra dessa catástrofe que o pesquisador, ativista, jornalista e crítico de arte Mário Pedrosa concebeu uma proposta visionária para a época: a criação do Museu das Origens. Sua audaciosa ideia consistia em unir cinco museus independentes sob uma estrutura orgânica e colaborativa, destinada a preservar e celebrar a diversidade cultural brasileira.
“Diante da completa destruição do MAM pelo incêndio, é imperativo tirar uma conclusão lógica da tragédia: o MAM chegou ao fim. A situação mudou. Os tempos são outros, ou mesmo a ideologia que inspirou seus fundadores há mais de vinte anos mudou. Daí a necessidade de convocar novas forças e o apoio do Estado para criar uma nova instituição semelhante, mas com propósitos diferentes”, escreveu Pedrosa em um artigo publicado na revista Arte Hoje, em 1978.
A visão de Pedrosa consistia em unir o Museu de Arte Moderna, o Museu de Arte Virgem (originado do Museu de Imagens do Inconsciente), o Museu do Índio, o Museu do Negro e o Museu de Artes Populares. No entanto, essa proposta audaciosa nunca se materializou.
Inspirados por essa ideia pioneira, o Itaú Cultural e o Instituto Tomie Ohtake, duas instituições culturais situadas em São Paulo, uniram forças para criar uma exposição conjunta intitulada “Ensaios para o Museu das Origens”. Esta exposição está em exibição em cinco salas nas duas instituições (três no Itaú Cultural e duas no Instituto Tomie Ohtake) e apresenta um acervo diversificado de mais de mil itens, incluindo pinturas, esculturas, documentos, fotografias e vídeos.
“Quando o MAM pegou fogo, Pedrosa viu isso como uma oportunidade para integrar as artes que ele estava estudando. A exposição ‘Ensaios para o Museu das Origens’ se baseia em cinco eixos inspirados nas propostas de Pedrosa”, explicou Juliano Ferreira, coordenador de artes visuais do Itaú Cultural.
Mário Pedrosa havia acabado de retornar do exílio quando o MAM foi destruído pelas chamas. “Quando ele voltou [do exílio] em 1978, o MAM do Rio de Janeiro foi consumido pelo fogo. O incêndio foi causado por um curto-circuito e resultou na perda de grande parte do acervo do museu. A partir desse ponto, jornalistas e muitos outros críticos se reuniram para discutir o que deveria ser feito com o museu e como um museu destruído poderia ser reconstruído. Foi então que Pedrosa propôs a reconstrução do MAM por meio de cinco museus”, explicou Ana Roman, curadora adjunta da exposição.
“Dois desses museus já existiam, como o Museu do Índio e o Museu do Inconsciente, e os demais seriam criados. Esses cinco museus operariam independentemente, mas estariam constantemente em diálogo. Essa é uma proposta intrigante e altamente interdisciplinar para repensar o conceito de museu”, acrescentou a curadora.
A exposição atual é o resultado de uma pesquisa aprofundada, com curadoria geral de Izabela Pucu e Paulo Miyada, curadoria adjunta de Ana Roman e contribuições dos curadores convidados Daiara Tukano e Thiago de Paula Souza. Embora ocupando dois espaços distintos, a exposição é uma única experiência que pode ser explorada em qualquer ordem. Seu propósito é traçar um percurso pela história do Brasil, destacando a arte e a cultura como fundamentos e explorando as memórias de diversas ancestralidades.
Para a exposição, não foram estabelecidas divisões por temas ou museus. Tudo se mistura e se entrelaça. “Mário tinha a proposta de apagar as fronteiras entre as artes, nivelando as artes maiores e menores, sem distinção entre alta cultura e cultura popular. Mais do que uma proposta, ele nos desafiou a questionar os limites da arte e da produção artística”, afirmou Ferreira.
A exposição abrange uma extensa área de 1,5 mil metros quadrados, apresentando obras de artistas, coletivos e mais de 20 instituições culturais e museus dedicados à preservação e divulgação da memória brasileira.
A resistência institucional é um tema central da exposição. “A exposição traz casos que destacam a resistência institucional. Não apenas o MAM, que se reconstruiu e se adaptou, mas o museu como um todo é um exemplo fascinante disso. Continua evoluindo e se transformando. Nesta exposição, estamos diante de instituições que, apesar das dificuldades e adversidades – e apesar do contexto brasileiro -, resistem e constituem lugares de memória”, enfatizou Ana Roman.
Segundo Ana, a exposição também representa uma visão esperançosa do que está sendo preservado e produzido no Brasil. “Esta exposição oferece um vislumbre de esperança e celebra o que está sendo realizado. Com frequência, esquecemos que as coisas estão acontecendo aqui e agora. Isso é resultado da resistência popular e de movimentos sociais não institucionalizados, que constantemente introduzem práticas transformadoras e se encarregam de redefinir e preservar sua própria memória”, destacou.
A exposição “Ensaios para o Museu das Origens” está aberta ao público gratuitamente até 28 de janeiro de 2024. Além da exposição, as duas instituições planejam promover discussões, visitas virtuais, lançamento de catálogos e outras atividades relacionadas.
*Com informações da Agência Brasil e Instituto Tomie Ohtake.