Um exército de perfis anônimos com nomes femininos e rostos criados por inteligência artificial está por trás de um esquema sofisticado de golpes no Instagram. A investigação do Estadão Verifica, publicada em maio de 2025, identificou 69 contas, conhecidas como “contas dark”, que somam mais de 42 milhões de seguidores. Esses perfis prometem emagrecimento instantâneo, receitas naturais e soluções milagrosas para problemas de saúde – tudo isso sem qualquer identificação ou fonte confiável.
Pontos Principais:
A tática é simples e eficiente: publicar vídeos curtos sensacionalistas que viralizam, atraem seguidores e os direcionam para grupos de WhatsApp ou links suspeitos. Ali, vendem desde colchões a R$ 29,90 até suplementos que prometem ser melhores que medicamentos como o Ozempic. Muitos desses sites simulam plataformas conhecidas como a Shopee, mas exigem pagamento via Pix e somem após a transação.
Essas contas, que se apresentam com nomes como @paloma.autoajuda ou @ana.dicas.saudaveis, operam em rede. Publicam os mesmos vídeos com poucos minutos de diferença, com legendas idênticas e hashtags repetidas. O Verifica identificou cinco grupos distintos dentro dessa estrutura, todos usando o mesmo número de WhatsApp, indicando um sistema coordenado e automatizado de disseminação de conteúdo.
Apesar do apelo “saudável” dos perfis, nenhum deles é administrado por profissionais da área médica. Pelo contrário: seus conteúdos são compostos por vídeos gerados com inteligência artificial ou reciclados de terceiros, com alegações falsas como curas de câncer com chá de orégano ou reversão do Alzheimer com cebola roxa. Ao serem confrontados, os responsáveis pelas páginas não se identificam, limitando-se a responder com mensagens automáticas sobre emagrecimento.
O pesquisador Ergon Cugler, da FGV, afirma que há evidências claras de uma operação coordenada com fins lucrativos. Segundo ele, os perfis atuam como funis de conversão: atraem a audiência com vídeos impactantes e direcionam para canais mais privados, onde ocorrem as vendas e os golpes. Já a professora Thaiane Oliveira, da UFF, destaca o papel do algoritmo das redes sociais, que privilegia conteúdos emocionais e rápidos, incentivando esse tipo de prática.
As vítimas, muitas vezes, são pessoas em situação de vulnerabilidade, em busca de soluções simples para problemas complexos. Segundo os especialistas ouvidos, a linguagem direta, o tom informal e a falsa autoridade dos perfis criam um ambiente de credibilidade ilusória. Em um dos casos investigados, uma mulher perdeu dinheiro ao comprar um colchão anunciado por uma dessas páginas. Após o pagamento, o site desapareceu e nenhum contato pôde ser retomado.
Há ainda um uso oportunista de programas de afiliados. Algumas das contas utilizam links legítimos de marketplaces como a Shopee para recomendar produtos reais e ganhar comissões. Mas esse é o lado “legal” da estratégia. A linha entre monetização honesta e fraude deliberada é frequentemente ultrapassada. Perfis chegam a ser vendidos por até R$ 3 mil, dependendo do número de seguidores e engajamento.
A própria Shopee afirmou que remove afiliados que violam suas diretrizes. Já a Meta, dona do Instagram, disse que está aprimorando os sistemas para identificar e remover práticas enganosas, incentivando os usuários a denunciarem perfis suspeitos. Ainda assim, a atuação dessas contas continua ativa, muitas vezes migrando nomes de usuário e adaptando conteúdos conforme os alvos mudam.
Mais alarmante do que a fraude financeira é o impacto sobre a saúde pública. Especialistas alertam que a disseminação de desinformação compromete o tratamento de doenças reais, desencoraja a busca por atendimento médico e enfraquece campanhas institucionais. Promessas como “bariátrica sem cirurgia” ou cura da diabetes com chás são exemplos da perversidade desse tipo de conteúdo.
As mensagens costumam se apresentar como alternativas “fora do sistema”, alegando que médicos não querem que as pessoas saibam desses “segredos naturais”. É nesse vácuo entre ciência e desespero que as “contas dark” se inserem – promovendo falsas esperanças, mascaradas de bem-estar, enquanto lucram com a desinformação.
Fonte: Estadao