Por Alvaro Loss. Engenheiro, economista austríaco, administrador e gerente do Banco do Brasil. Casado, e com um amor inegociável pela liberdade individual. O dia é 19 de novembro de 2023, Buenos Aires, Argentina.
A história aconteceu. Javier Milei venceu a corrida presidencial na Argentina, derrotando quase um século de Kishnerismo e Peronismo, movimentos populistas argentinos. Uma das peculiaridades dessa vitória nas urnas foi a virada no segundo turno das eleições. Sérgio Massa, adversário de Milei, venceu o primeiro turno com 36% dos votos, mas no segundo turno Milei superou nas urnas com 55% dos votos válidos.
Milei é defensor de um conjunto de ideias que foram esquecidas a muito na Argentina. Defensor verrenho do livre mercado e da propriedade privada e de valores liberais, Milei defende a constituição original de 1853 da Argentina. Segundo este, a constituição tinha em seu âmago o “liberalismo puro e duro”.
O desafio que o novo presidente avista não será fácil. E é, em uma análise ampla, loucura enfrentálo. Uma economia esganada por uma inflação de 3 dígitos por ano. Uma moeda fraca e um país empobrecido são seus desafios. E o que causou essa desolação em uma nação que foi, na década de 20, cem anos atrás, um dos países mais ricos do mundo?
Uma democracia liberal, com Estado enxuto, com ampla liberdade de mercado e com uma geografia favorável, a Argentina foi o local para onde levas de italianos, espanhóis e europeus em geral imigraram. As terras aráveis foram colonizadas por europeus e transformaram aquele país em um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Havia no início do século XX, principalmente depois da primeira guerra mundial, a frase “rico como um argentino”, denotando o grande poder econômico dos donos de terra deste país. No entanto, veio a crise de 1929.
A crise de 29, a grande depressão, fez com que os preços das commodities despencassem.
E com eles boa parte da renda argentina. Logo após a crise, houve golpes de estado, governos militares e governos populistas. E a democracia liberal se tornou uma ficção onde todos acreditam poder viver às custas de todos. Hoje o funcionalismo público argentino emprega quase um terço da população. A burocracia é gigantesca e a quantidade de proibições e obrigações em qualquer âmbito são incapacitantes.
O livre mercado argentino é atado a tantas normas e regulamentos que é louvável que ainda exista. O controle de preços e os subsídios aumentam ainda mais a inflação. Ou seja, assumir esse país em crise, mas com um passado riquíssimo é uma loucura. Então que elejamos um louco.
Javier Milei ganhou proeminência na segunda metade da década de 2010, participando de debates calorosos e controversos na televisão, em que denunciava o socialismo e defendia as ideias da liberdade e de propriedade privada. Seu perfil combativo e sua retórica agressiva, somados à deterioração da economia argentina, lhe valeram uma exponencial popularidade. E uma fama de louco.
Mas sua grande loucura foi, de fato assumir, sabendo que iria ser alvo de inúmeras difamações e calúnias.
E no meio de suas mais de quinhentas ações em menos de 2 meses de governo, uma delas foi zerar os gastos do governo com comunicação. Sua frase mais bradada é ‘no hay plata!”, não temos grana, em uma tradução livre. Logo, uma das suas loucuras, é no meio de uma onda bárbara de acusações e ofensas infundadas da oposição, é calar os canais de comunicação oficial do governo zerando seus gastos.
No entanto, não é só em gastos públicos que as medidas provisórias do presidente argentino se focam. Centenas de regulações que prendiam o livre comércio foram extintas ou simplificadas, e enviadas ao congresso para serem votadas como uma única medida. É uma cartada ousada. É como se o presidente recém-eleito perguntasse aos congressistas, “foi pra isso que me elegeram, ou vocês votam a favor, ou estão contra a Argentina”.
O que aliás, Milei faz muito bem. Se por um lado ele zerou os custos com a comunicação, ele é, individualmente, um dos políticos argentinos mais ativo em redes sociais hoje. Com lives, entrevistas, pronunciamentos, a todo momento, ele tenta compensar a inexistência de um canal oficial de comunicação, sendo ele mesmo o canal de comunicação.
A estratégia do presidente argentino é ousada. Quem sabe louca. Colocar mais de cem medidas no mesmo pacote de medida provisória e enviar ao congresso, para que votem como uma única medida. E quase que na semana seguinte, fazer o mesmo movimento, denota uma certa falta de moderação mental, quem sabe até mesmo loucura. Mas a Argentina não precisa de alguém moderado para resolver suas questões. A Argentina precisa de um louco com uma loucura necessária para suas necessidades.