Leandro Rogério Pereira Gama, conhecido nacionalmente como Leandro Abusado, morreu no dia 28 de julho de 2025, aos 40 anos, vítima da Síndrome de Fournier, uma infecção necrosante rara e altamente letal. Natural da Zona Norte do Rio de Janeiro, o cantor foi uma das figuras mais marcantes do funk carioca dos anos 2000, sendo lembrado por sua irreverência no palco, letras ousadas e influência em comunidades periféricas. O velório, realizado no Cemitério de Irajá, foi marcado por forte comoção e homenagens de fãs e artistas que celebraram sua trajetória singular.
Pontos Principais:
Leandro ganhou projeção nacional com o hit “Aqui no Baile do Egito”, sucesso que misturava batidas rápidas, performance teatral e linguagem visual exagerada, consolidando sua identidade artística. O funk ostentação ainda não era moda, mas ele já encarnava o exagero com naturalidade. Ao lado da parceira Maysa, formou a dupla “Leandro e as Abusadas”, presença constante nos bailes da Furacão 2000, plataforma de peso na divulgação do gênero. Com figurinos espalhafatosos e gestos calculadamente provocadores, o artista virou referência no meio.
A canção mais famosa de sua carreira ganhou sobrevida nas redes sociais duas décadas após o lançamento. Ao viralizar no TikTok, “Aqui no Baile do Egito” reaproximou Leandro de uma nova geração. Vídeos com danças e paródias multiplicaram visualizações e devolviam ao artista parte do reconhecimento que havia minguado ao longo dos anos. Participações em lives e convites para rádios locais reacenderam sua presença no circuito, apesar das limitações financeiras e estruturais enfrentadas longe do mainstream.
Em março de 2025, o artista surpreendeu os seguidores ao aparecer visivelmente debilitado em vídeos nas redes sociais. Com voz trêmula e olhar cansado, relatava dores intensas e inchaço genital que se agravaram por semanas antes de buscar atendimento médico. O diagnóstico tardio revelou a Síndrome de Fournier, uma infecção bacteriana necrosante que compromete tecidos da região genital, perineal e abdominal. “Se não cuidar, a bactéria come a carne”, alertava Leandro em um vídeo que viralizou no mesmo mês.
A partir daí, sua luta pela vida foi travada publicamente. Internado no Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, em Irajá, passou por múltiplos procedimentos cirúrgicos e enfrentou dificuldades para custear o tratamento. Sem recursos, criou uma vaquinha online pedindo ajuda para despesas com antibióticos e alimentação. O gesto gerou uma onda de solidariedade entre artistas do funk e fãs anônimos, que passaram a compartilhar vídeos antigos, relatos emocionados e registros de shows em que Leandro brilhava.
A comoção gerada pela sua situação de saúde também expôs uma realidade dura: mesmo artistas que já tocaram o topo da fama podem enfrentar abandono e invisibilidade quando o holofote se apaga. Após sua morte, MC RD, DJ Zulu, MC Créu e Verônica Costa manifestaram luto, ressaltando sua importância histórica no gênero. Maysa, a antiga parceira de palco, emocionou-se ao dizer: “Minha risada nunca mais será a mesma sem você”. A despedida no Cemitério de Irajá, marcada por gritos, aplausos e música, teve ares de rito coletivo.
Mais do que performer, Leandro era símbolo. Sua presença — debochada, colorida, desafiadora — incomodava setores conservadores, ao mesmo tempo em que representava identificação e pertencimento para jovens LGBTQIA+ e adolescentes da periferia. Seu figurino extravagante, penteados ousados e corpo sempre em movimento desafiavam padrões e transformavam o baile em palco de liberdade. “Ser abusado” virou atitude, estética e grito contra invisibilidade social.
A Síndrome de Fournier, doença que o vitimou, é uma forma agressiva de fasciíte necrosante causada por bactérias que penetram através da pele ou mucosas. Embora mais comum em pessoas com diabetes, baixa imunidade ou obesidade, a infecção pode ocorrer em qualquer pessoa e evolui rapidamente, exigindo cirurgia e cuidados intensivos. Leandro alertou os seguidores sobre a gravidade do quadro, tornando sua experiência uma espécie de campanha pública pela atenção aos sinais do corpo.
Mesmo enfrentando o sofrimento físico, Leandro continuou ativo nas redes, gravando vídeos, interagindo com os fãs e mantendo o bom humor. A autenticidade, que sempre marcou sua carreira, também pautou seus últimos dias. Sua despedida, ainda que trágica, não foi silenciosa: foi coletiva, afetuosa e pública. A repercussão da sua morte mobilizou milhares de pessoas e reacendeu o debate sobre a precariedade da saúde para artistas da periferia e a falta de políticas públicas voltadas para cultura de base.
Hoje, o nome Leandro Abusado permanece associado não só à música, mas à resistência cultural. Ele representou um tempo em que o funk era resistência e não produto algorítmico. Sua trajetória entre os becos da Zona Norte, os palcos improvisados da Furacão 2000 e os trending topics das redes sociais sintetiza um Brasil que resiste com ritmo, ironia e coragem.