Estado concentra mais de um terço dos pacientes psiquiátricos em conflito com a Justiça. Por Bia Ludymila (MTB 0081969/SP).
São Paulo é um dos poucos estados que ainda mantém hospitais de custódia, locais que abrigam pacientes psiquiátricos em conflito com a Justiça. Apesar da resolução do CNJ que determina o fechamento dessas instituições até agosto deste ano, o estado resiste à mudança. Com mais de um terço dos pacientes psiquiátricos do país nesses hospitais, a situação levanta questões sobre a capacidade do sistema de saúde de absorver essa demanda e os desafios de desinstitucionalizar esses indivíduos.
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico I (HCTP I), localizado em Franco da Rocha, não se assemelha às imagens tradicionais de manicômios. O local é limpo, reformado e oferece colchões e cobertores suficientes para todos os pacientes, além de uma televisão em cada pavilhão. Há um campo de futebol, onde são realizados torneios, um ateliê de arte e uma escola, que contribuem para um ambiente mais humanizado.
A resolução 487 do CNJ, publicada em fevereiro de 2023, determina que os pacientes psiquiátricos em conflito com a Justiça sejam transferidos para a rede de saúde pública, sob responsabilidade do Ministério da Saúde, priorizando o tratamento em vez da detenção. Entretanto, São Paulo, com 937 pacientes distribuídos em três hospitais de custódia (HCTP I, HCTP II e HCTP de Taubaté), resiste a essa mudança. O juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci declarou a resolução inconstitucional, argumentando que os centros de assistência psicossocial no estado não possuem a mesma estrutura dos HCTPs.
Uma visita ao HCTP I revelou uma realidade multifacetada. O hospital possui muros altos, arames farpados e um sistema de detecção de metais, lembrando uma prisão. Pacientes são mantidos em celas durante a noite e têm movimentação controlada dentro do hospital. No pavilhão feminino, algumas pacientes são mantidas em celas devido ao histórico de violência. Durante a visita, algumas pacientes estavam sendo batizadas em uma igreja evangélica, um evento que busca proporcionar momentos de espiritualidade e integração.
A transição do sistema penitenciário para o sistema de saúde enfrenta diversos desafios. A primeira equipe de transição, composta por psicólogas, uma assistente social e um enfermeiro, expressou incertezas sobre como essa mudança será efetivada. O diretor do HCTP I, Luiz Henrique Negrão, destacou que a relação entre a Secretaria de Administração Penitenciária e a Secretaria de Saúde ainda não está bem estabelecida. A principal preocupação é que o Sistema Único de Saúde (SUS) não consiga absorver todos os pacientes atualmente internados nos hospitais de custódia.
Defensores da manutenção dos hospitais de custódia argumentam que o SUS ainda não está preparado para receber todos os pacientes psiquiátricos em conflito com a Justiça. Maria Cecília Marinho Arruda, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, afirmou que é necessário reforçar a rede de atenção psicossocial antes de fechar os manicômios judiciários. Por outro lado, o Ministério da Saúde acredita que a rede atual é suficiente para atender a demanda, mas reconhece a necessidade de ampliação.
O fechamento dos hospitais de custódia e a transição dos pacientes para a rede de saúde pública têm implicações significativas. Socialmente, a desinstitucionalização é um passo importante para garantir os direitos dos pacientes psiquiátricos, permitindo sua reintegração à família e à comunidade. Economicamente, a transição requer investimentos em infraestrutura e pessoal capacitado para atender as necessidades específicas desses pacientes.
Comunidades e instituições estão buscando soluções para se adaptar à mudança. Iniciativas governamentais, como a criação de equipes de transição, são passos importantes para garantir que os pacientes recebam o tratamento adequado. A ampliação da rede de atenção psicossocial é essencial para absorver a demanda e proporcionar um tratamento humanizado e eficaz.
A resistência do Estado ao fechamento dos manicômios judiciários levanta questões complexas sobre a capacidade do sistema de saúde de absorver essa demanda e os desafios de garantir um tratamento adequado e humanizado para pacientes psiquiátricos em conflito com a Justiça.
A transição para um modelo que priorize o tratamento comunitário e a reintegração social é fundamental, mas requer planejamento, investimento e colaboração entre diferentes setores. A desinstitucionalização é um passo importante para garantir os direitos humanos e a saúde mental desses indivíduos, mas deve ser feita de maneira responsável e cuidadosa.
O Hospital, fundado em 1898, foi uma das maiores colônias psiquiátricas do Brasil. O complexo hospitalar foi projetado com 12 pavilhões e oferecia uma combinação de tratamento médico e trabalho agrícola como forma de terapia. Com o tempo, o hospital se expandiu e, durante o Estado Novo (1938-1945), enfrentou uma crise de superlotação devido ao aumento das internações, muitas delas por ordem judicial.
Nos anos 1940 e 1950, o hospital continuou a crescer em capacidade, mas também enfrentou desafios devido à superlotação. Durante essas décadas, o Juquery se tornou conhecido tanto pela sua contribuição à psiquiatria quanto pelas condições adversas enfrentadas pelos pacientes devido à superlotação e à escassez de recursos.
Já na década de 1980, o hospital começou a passar por mudanças significativas influenciadas pela Reforma Psiquiátrica no Brasil, que buscava desinstitucionalizar o tratamento de pacientes psiquiátricos e promover a reintegração social.
*Com informações de Folha.