Por Bia Ludymila (MTB 0081969/SP). Giroflex, Arma ou Pedra? A Dualidade da Insegurança em São Paulo
A insegurança nas ruas de São Paulo atingiu tal patamar que cidadãos comuns estão recorrendo a medidas desesperadas.
O uso de giroflex por motoristas comuns tornou-se simbólico desse desespero, servindo como um indicador térmico da crise de segurança na cidade. Se antes essas luzes eram reservadas para veículos de autoridades com o objetivo de manter a ordem pública, hoje servem como uma tentativa falha de autoproteção.
Isso não é apenas alarmante, mas também um voto de desconfiança no sistema de segurança pública, que parece incapaz de proteger seus cidadãos.
As “gangues do quebra-vidro” também são sintomáticas dessa falha sistêmica. Utilizando pedras como armas primitivas, esses grupos expõem o fracasso não apenas do sistema de segurança, mas também da rede de assistência social. Muitos desses agressores são dependentes químicos, que, assim como os trabalhadores que cruzam seu caminho, foram deixados à própria sorte pelo Estado.
Nesse cenário, a cracolândia surge como uma encruzilhada de vulnerabilidades. O espaço é compartilhado por dependentes e trabalhadores, criando um ciclo de medo e insegurança que afeta ambos os grupos. A situação lança um olhar crítico sobre nossa sociedade e levanta questões éticas sobre o contrato social que deveria nos unir.
Ao fim e ao cabo, tanto o giroflex quanto a pedra são mais do que apenas instrumentos de defesa ou ataque. São sintomas de uma crise mais profunda que tem raízes em falhas institucionais, sociais e políticas. Não podemos nos contentar em tratar apenas os sintomas. É preciso focar na humanidade por trás desses atos de desespero e buscar soluções que tornem nossa cidade e, por extensão, nossa sociedade, mais segura e justa para todos.
O Paradoxo da Segurança Urbana considerando um mundo ideal, as luzes de giroflex serviriam apenas para indicar a presença de autoridades em serviço, cuja função primordial é manter a segurança pública. Em São Paulo, entretanto, essa sinalização luminosa é vista de forma ambígua: ora como um símbolo de autoridade e proteção, ora como um lembrete da vulnerabilidade que permeia as ruas da cidade. O fenômeno de motoristas instalando giroflex em seus carros como medida desesperada de autoproteção é um termômetro da crise de segurança que enfrentamos, e uma janela para a complexidade do medo urbano.
O giroflex tornou-se uma arma nas mãos do cidadão comum, uma tentativa de imitar uma autoridade que muitas vezes se mostra ausente ou impotente diante da crescente onda de crimes. Essa usurpação do símbolo de poder e autoridade por parte do cidadão comum lança um olhar crítico sobre a eficácia das nossas instituições de segurança. É uma forma de rebelião silenciosa, mas arriscada, contra um sistema que falha repetidamente em fornecer o bem mais básico ao seu povo: a segurança.
Início e fim da violência que por outro lado, pedras — o modus operandi das chamadas “gangues do quebra-vidro” — representam a primitividade da violência que assola a cidade. A pedra, em sua forma bruta e elementar, também se torna uma arma, mas aqui empregada para violar a privacidade e segurança do espaço mais próximo de um santuário que muitos têm na cidade: o interior de seus carros. E muitas vezes, o lançador dessa pedra é um dependente químico, alguém que também foi falhado pelo sistema, preso em um ciclo vicioso de necessidade e oportunismo.
No centro desse dilema, a cracolândia emerge como uma manifestação tangível do descaso do Estado. O espaço, compartilhado por trabalhadores e dependentes químicos, torna-se um palco de vulnerabilidade mútua e medo constante. Para os trabalhadores que circulam por lá, cada semáforo fechado torna-se uma ameaça potencial; para os dependentes, cada dia é uma batalha por sobrevivência, muitas vezes à custa dos outros.
Mas, ao tentarmos nos “armar” com giroflex, o que estamos realmente fazendo é evidenciar uma ferida social aberta e infeccionada. Estamos admitindo nossa falta de fé no sistema, enquanto caminhamos em uma linha tênue entre o legal e o ilegal, entre ser vítima e algo pior. É um dilema que nos faz questionar a essência da civilidade e o contrato social que nos liga como membros de uma sociedade.
Último recurso é a humanidade, solução, por mais utópica que possa parecer, deve ser buscar a humanidade perdida tanto em quem lança a pedra quanto em quem instala o giroflex.
As raízes desse problema são profundas e entrelaçadas em uma rede complexa de falhas sociais, políticas e institucionais. Até que possamos tratar essas causas profundas, o sintoma — seja uma pedra ou um giroflex — continuará a ser o meio desesperado de chamar atenção para um problema muito maior. A verdadeira questão não é o que esses objetos são, mas o que eles representam: um grito por ajuda, emanando de uma cidade e de um povo à beira do desespero.
O giroflex e a pedra, então, não são apenas arma e ameaça, mas também sintomas de uma doença social que precisa ser tratada. E essa cura só será possível quando começarmos a ver a humanidade por trás desses atos desesperados, e reconhecermos a responsabilidade coletiva que todos temos de tornar nossa cidade, e por extensão, nossa sociedade, um lugar mais seguro e mais justo para todos.