A origem dos nomes de vírus e doenças carrega significados históricos, culturais e científicos, que vão além das implicações médicas. O nome que usamos para identificar um patógeno pode influenciar diretamente na percepção pública e nas consequências sociais que surgem durante surtos e pandemias. A Organização Mundial da Saúde (OMS), atenta a esses impactos, vem recomendando práticas específicas para nomeação de novas doenças, orientando para evitar referências geográficas ou culturais, e priorizando descrições científicas e socialmente neutras.
No passado, era comum associar doenças e vírus aos locais onde haviam sido identificados ou onde surtos haviam ocorrido. Essa prática, contudo, trouxe desafios e estigmas para diversas regiões e populações. Com o avanço do entendimento social sobre os efeitos desses nomes, o foco passou a ser a neutralidade, considerando os impactos negativos de associar nomes a uma localidade ou povo.
Este artigo examina a origem dos nomes de alguns vírus que circulam no Brasil, abordando o contexto histórico, o significado das palavras e a evolução na nomeação de doenças ao longo do tempo.
O nome “influenza” tem origem italiana e remete à ideia de “influência”. No século XIV, acreditava-se que o desenvolvimento da gripe era causado por influências astrológicas ou climáticas. O termo foi usado pela primeira vez em 1358 pelo historiador italiano Matteo Villani, referindo-se a doenças transmitidas entre pessoas. Com o tempo, a palavra passou a designar especificamente a gripe, à medida que se desenvolvia uma compreensão melhor sobre a doença e sua propagação.
No século XVIII, o termo “influenza” foi internacionalizado devido a uma epidemia que começou na Itália. A palavra foi incorporada ao inglês em 1750 e abreviada para “flu”, forma ainda utilizada hoje. A nomenclatura continuou se espalhando para outros idiomas, como o francês e o português, até que “influenza” se tornou um nome universal para designar o vírus da gripe.
A palavra “gripe”, em português, tem origem no francês “grippe”, usado desde o século XVII. Esse termo, por sua vez, deriva do alemão “grüpi”, que significa “tremer de frio” ou “sentir-se mal”, remetendo aos sintomas comuns de febre e calafrios.
A palavra “chikungunya” vem da língua Makonde, falada no sudeste da Tanzânia, onde o vírus foi identificado pela primeira vez em 1950. Em Makonde, “chikungunya” significa “aqueles que se contorcem” ou “aqueles que se dobram”, referindo-se à intensa dor nas articulações que caracteriza a doença. Os sintomas, que incluem dores severas em punhos, tornozelos e cotovelos, levam os pacientes a adotar posturas curvadas devido ao desconforto.
Inicialmente, a chikungunya foi confundida com a dengue, outra doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Somente com pesquisas posteriores foi possível diferenciar os dois vírus, e a palavra “chikungunya” passou a ser amplamente usada para descrever essa enfermidade específica.
A origem do termo “dengue” é atribuída ao século XVIII, na Espanha, onde a palavra “dengue” era usada para descrever alguém como “delicado” ou “meticuloso”. Essa escolha pode estar relacionada ao estado dos pacientes, que, com dores intensas no corpo, precisavam se mover com cautela. Além disso, algumas teorias sugerem que o nome também poderia ter sido influenciado pela palavra “ndenge” da língua africana quimbundo, com o significado de “recém-nascido” ou “choradeira”, associando o estado dos doentes à fragilidade.
Outra possível origem para o termo vem do suaíli “Ka-dinga pepo”, que significa “cãibra de início súbito”, o que também reflete os sintomas de dor muscular intensa e febre repentina causados pela doença. Embora não se saiba ao certo qual é a origem definitiva do nome, todas as interpretações refletem de alguma forma os sintomas debilitantes que os pacientes experimentam.
O vírus Zika recebeu esse nome devido à Floresta Zika, em Uganda, onde foi isolado pela primeira vez em 1947 em um macaco da espécie Macaca mulata. O vírus, transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti, foi identificado em humanos pela primeira vez em 1952. Tornou-se mundialmente conhecido após surtos que começaram em 2015, especialmente no Brasil, onde foram associados casos de microcefalia em bebês cujas mães haviam sido infectadas durante a gravidez.
A denominação do Zika é um exemplo de como a prática antiga de usar locais de identificação para nomear vírus ainda persiste, embora em menor escala. Essa associação, no entanto, levanta questionamentos sobre os impactos sociais que podem surgir para as comunidades de origem do nome.
A febre amarela deve seu nome a um dos sintomas mais característicos da doença: a icterícia, ou coloração amarelada da pele, olhos e mucosas, causada pelo acúmulo de bilirrubina no sangue. Esse pigmento amarelado é resultado da quebra dos glóbulos vermelhos, um processo que ocorre naturalmente no organismo, mas que se intensifica com problemas hepáticos causados pelo vírus da febre amarela.
A doença, transmitida principalmente por mosquitos em áreas tropicais, foi assim denominada por volta do século XIX, quando pesquisadores observaram a coloração amarela nos pacientes afetados. A febre amarela é um exemplo de como sintomas físicos podem influenciar a escolha de nomes, auxiliando na identificação e no diagnóstico.
O nome “coronavírus” deriva da palavra latina “corona”, que significa “coroa”. Essa família de vírus apresenta uma estrutura de proteínas que, ao microscópio, lembra uma coroa devido aos “espinhos” na superfície do vírus. Esses espinhos são as proteínas que permitem ao vírus infectar as células hospedeiras.
O nome da doença Covid-19 é uma abreviação de “Coronavirus Disease” (Doença do Coronavírus), seguida pelo ano de 2019, em que o vírus SARS-CoV-2 foi identificado pela primeira vez. A doença Covid-19 representa uma combinação de fatores de nomenclatura, unindo a designação do vírus e o ano de descoberta, em uma tentativa de padronizar a identificação global e evitar nomes estigmatizantes.
Outro exemplo é o SARS-CoV-2, cujo nome completo é “Coronavírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave”, com o número 2 indicando sua relação com o SARS-CoV-1, descoberto em 2003. O nome MERS, que se refere à Síndrome Respiratória do Oriente Médio, segue a prática anterior de usar localizações geográficas, embora a OMS agora desencoraje essa abordagem.
A OMS publicou diretrizes em 2015, recomendando práticas específicas para a nomenclatura de novas doenças infecciosas, a fim de evitar o estigma social. A orientação enfatiza a importância de nomes “cientificamente sólidos e socialmente aceitáveis”, desencorajando o uso de nomes que fazem referência a locais, povos, animais ou ocupações. Essas diretrizes surgiram em resposta aos impactos negativos observados em surtos anteriores, como o caso da gripe suína, que resultou no abate de porcos em vários países, embora o vírus se espalhasse entre humanos.
A escolha cuidadosa dos nomes visa prevenir o medo infundado e a discriminação, como foi observado com a mudança do nome Monkeypox para Mpox em 2022, após a OMS identificar um aumento em discursos de ódio e ações violentas contra macacos.
A prática de nomeação de doenças é um reflexo de como a medicina e a ciência continuam a evoluir não apenas no tratamento e diagnóstico, mas também no modo como o público percebe e reage às doenças.
Fonte: Governo-SP.