Conto poético – Caminhar por cima da terra

Com Shirley Danziger – Advogada, Cabeleireira e uma Maestrina na Arte da Fantasia, Suspense e Contos.

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Caminhar por cima da terra Sem arrastar as correntes que me seguravam os tornozelos E sem as algemas que me uniam os pulsos ainda me surpreende. Pois, não há nada tão terrível quanto ser uma sem nome. Sim, ainda por vezes me surpreendo, mesmo já tendo passado tantos anos… Ainda tomo um breve e confortável susto, quando alguém me diz em um comércio lotado: “o que a senhora deseja?” Eu sorrio só para mim e digo E claro, sem tosquenejar digo o que desejo: “Um prato de felicidade, outro de decisões pessoais, de sobremesa, autoestima”. Faço questão de ainda olhar à minha volta. Ainda preciso disso, Preciso constatar, E não, não existe uma sombra a desejar no meu lugar, a falar com a minha voz Não, não existe, sou eu mesma quem desejo, que realizo, ou não. Mas sim, sou eu mesma. A mulher ou menina que sofre algum tipo de violência, é um pano sem cor, um ser vivo apenas, pois já perdeu a própria identidade. Isso porque já teve o seu nome substituto por tantas palavras de baixo calão, Ou palavras que a dilaceraram em dignidade e personalidade, que sim, é possível se dizer que essa mulher não sabe realmente quem é, como deve ou merecia ser chamada. Ser chamada por seu nome, já bastava. Mas não! Até isso perdeu se E de um jeito sórdido e maldito perdeu-se. Perdeu-se em meio ao que se achava “Amor”, “Aconchego”, “Proteção”. Perdeu-se em meio aos bofetões, às humilhações em público, aos “meros empurrões”. Perdeu-se a cor Perdeu-se a delicada flor Perdeu-se até a dor Hora se acostuma, e a dor vira a própria cor, A cor que se pode usar, A cor que se tem para usar. A cor que se “merece” usar. Verdade é que a palavra “merecimento” para essa mulher raras vezes lhe traduzirá que ela “merece, sim, mas merece algo bom”. Também não é possível saber se o significado da palavra “coragem”, por uma terrível ironia talvez até o saiba, E bem mais que a maior parte dos homens. Mas ela não sabe usá-la corretamente. Não sabe usá-la para desatar as cadeias que a prendem. Falta-lhe a própria coragem para isso… Ah, como é bom pisar na terra, Se permitir caminhar. E sem as correntes que me atavam os tornozelos, como é bom não ouvir o som das pesadas correntes arrastarem se, como é perfeito ter os punhos livres das algemas, elas machucavam as carnes, a pele, a alma. Sangravam… E o sangue escorria… Mas ninguém via. Eram invisíveis os grilhões. Eram silenciosos os gritos ao povo. Eram agressões e violações sexuais a dois. Os grilhões eram só no coração. Por isso ninguém via O silêncio precisava predominar. Ele era o rei O adorado rei O silêncio. Ah, como é bom não tê-las atadas aos pulsos, não mais arrastar as correntes por aí! Ah, como é bom não venerar mais o maldito, o desgraçado do Silêncio. Como é bom viver.

Sobre a autora:

Nascida em São Paulo e criada por sua avó, Dona Benícia, traz consigo a tradição da escrita e poesia. Apesar de sua vida multifacetada como mãe, advogada e empreendedora, sua paixão pela escrita a conduziu para o universo da literatura. Com uma saga que cresce a cada página, como “O Senhor do Tempo“, Shirley cativa leitores e nos convida a explorar um mundo mágico e real ao mesmo tempo.