Bukele muda regras do jogo: El Salvador aprova reeleição sem limite e fim do segundo turno

No mesmo dia em que foi proposta, a reforma constitucional que muda o sistema eleitoral de El Salvador foi aprovada pela Assembleia Legislativa sob domínio de Nayib Bukele. A nova legislação permite reeleições ilimitadas, estende o mandato presidencial para seis anos e elimina o segundo turno, consolidando o poder do presidente que já havia manobrado a Justiça em 2024 para se manter no cargo. A oposição declarou luto pela democracia salvadorenha.
Publicado em Internacional dia 1/08/2025 por Alan Corrêa

A noite de 31 de julho entrou para a história política de El Salvador como um marco de ruptura institucional. Em uma votação relâmpago, a Assembleia Legislativa aprovou por maioria pró-governo uma reforma constitucional que permite a reeleição presidencial sem limite de mandatos, estende o período presidencial de cinco para seis anos e elimina o segundo turno nas eleições. O projeto foi apresentado e votado no mesmo dia, com 57 votos favoráveis entre os 60 parlamentares.

Pontos Principais:

  • Assembleia Legislativa de El Salvador aprovou reeleição ilimitada no mesmo dia da proposta.
  • Mandato presidencial passa de cinco para seis anos, com novas eleições antecipadas para 2027.
  • Fim do segundo turno favorece controle político absoluto do presidente Nayib Bukele.
  • Bukele já havia contornado a Constituição em 2024 ao trocar juízes da Suprema Corte.
  • Medidas são vistas como autoritárias e motivaram protestos da oposição e alertas internacionais.

A medida favorece diretamente o atual presidente Nayib Bukele, reeleito em 2024 após substituir os magistrados da Câmara Constitucional da Suprema Corte por aliados políticos. Com a decisão desta quinta-feira, Bukele não só consolida juridicamente sua permanência no poder, mas também antecipa o fim de seu atual mandato: novas eleições presidenciais estão previstas para 2027, encurtando em dois anos o mandato vigente.

Desde o início de sua trajetória política, Bukele demonstrou habilidade em concentrar poder e neutralizar resistências institucionais. Ao dominar o Legislativo e reorganizar o Judiciário em seu favor, pavimentou o caminho para alterar a Constituição salvadorenha segundo sua estratégia política. A mudança das regras de reeleição, agora estendidas indefinidamente, alinha a presidência às regras de cargos como prefeito e deputado, que já não possuem limites de mandatos.

O argumento do governo, expressado pela deputada governista Ana Figueroa, é o de equiparar as possibilidades de recondução nos diversos níveis de poder. No entanto, para a oposição — cada vez mais isolada — a leitura é de destruição democrática. A deputada Marcela Villatoro, uma das poucas vozes contrárias ainda ativas no Parlamento, declarou que “a democracia neste país morreu” e acusou a base governista de empurrar El Salvador para um modelo autoritário.

Com discurso populista e imagem projetada como símbolo de modernidade, Bukele tem cultivado alta aprovação popular, especialmente após implementar políticas de segurança que reduziram significativamente os índices de violência. A repressão às gangues e as prisões em massa são frequentemente apontadas como sucesso de sua gestão, embora venham acompanhadas de denúncias internacionais por violação de direitos humanos, maus-tratos em presídios e prisões arbitrárias.

Na prática, o que se desenha é um novo arranjo institucional em que os mecanismos de freios e contrapesos foram comprometidos. A reeleição sem limite e o fim do segundo turno reduzem drasticamente as chances de alternância no poder e abrem margem para o aprofundamento de um regime personalista. Ainda assim, Bukele continua a se autodenominar “o ditador mais descolado do mundo”, ironizando críticas enquanto constrói um sistema sob medida.

O tempo recorde entre a apresentação e a aprovação da reforma levantou questionamentos entre analistas políticos internacionais. A ausência de debate público, consultas populares ou mesmo tramitação prolongada sugere um ambiente legislativo fechado, operando à margem da pluralidade democrática. A governabilidade baseada em maioria absoluta no Congresso tem sido usada como escudo para decisões que, embora constitucionais no papel, violam o espírito democrático.

A imprensa local tem acompanhado com cautela os desdobramentos. Para veículos como El Mundo, que cobriu os bastidores da votação, a oposição foi silenciada em um plenário onde já não há espaço para o contraditório. Analistas alertam que o país, ao concentrar poder sem contrapesos, pode estar abrindo precedentes perigosos para a estabilidade institucional da América Central.

Embora tenha afirmado que a antecipação das eleições para 2027 será cumprida, Bukele agora está legalmente amparado para permanecer no cargo indefinidamente. O cenário aponta para um futuro em que a alternância de poder dependerá menos das urnas e mais da permanência da popularidade de um presidente que desafia os marcos clássicos da democracia representativa.

A aprovação da reforma constitucional acende um alerta global. O que ocorre em El Salvador é observado com atenção por organismos internacionais e governos democráticos, especialmente frente a um contexto em que regimes autoritários têm se fortalecido em diversas partes do mundo. Em meio a esse panorama, a América Latina acompanha mais um episódio de erosão democrática silenciosa, porém institucionalizada.

Com informações de g1.