O bitcoin despencando quase 10% não é uma “correção técnica”, é mais um daqueles episódios em que o castelo digital desaba e deixa todo mundo tentando fingir que entende o que está acontecendo. A moeda que prometia libertar a humanidade da tirania dos bancos continua implorando carinho do mesmo mercado que dizia desprezar.
Enquanto os traders evangelistas juram que “é só o ciclo”, o mundo real está derretendo do jeito mais previsível possível. A China perde fôlego, a Europa tropeça, e os EUA brincam de girar o botão dos juros como se fosse um brinquedo de tortura financeira. Quando a macroeconomia espirra, as criptos pegam pneumonia. Todo mundo sabe disso, mas poucos admitem.
E a narrativa do “ciclo de quatro anos”? Virou muleta para baleias que tratam o mercado como um videogame onde cada queda é oportunidade de esmagar sardinhas. Os caras venderam bilhões em setembro, limparam o chão com a liquidez e deixaram um mercado tão vazio que qualquer ordem mais gorda faz o gráfico parecer um precipício.
Aí veio o payroll dos EUA para completar a vibe de apocalipse corporativo: desemprego subindo, números revisados para baixo, sinais de fragilidade por todos os lados. Em tese, isso deveria abrir caminho para cortes de juros. Só que o Fed resolveu brincar de novela mexicana e expôs divisões internas, matando qualquer sensação de direção. Sem direção, só sobra medo. E o medo cai primeiro onde? No setor mais emocionado da economia.
Os livros de ordens continuam uma terra arrasada desde a liquidação de quase US$ 20 bilhões em outubro. Aquele banho de sangue não foi só um tropeço, foi o equivalente financeiro de arrancar o piso e deixar buracos no chão. Hoje, qualquer fluxo mediano parece uma avalanche. É como tentar equilibrar uma torre de copos num terremoto.
Enquanto isso, Wall Street vive a ressaca de ser obcecada por IA. A Nvidia solta resultado e os investidores entram em transe coletivo, tipo seita tecnológica. Meia hora depois, todo mundo lembra que valuations irreais e Fed indeciso não combinam com otimismo. O humor vira, e o primeiro alvo é sempre o mesmo: bitcoin e sua eterna promessa de “resiliência”.
E aí sobra a parte mais incômoda, que nenhum maximalista gosta de encarar sem se contorcer: bitcoin virou um ativo convencional. Não importa quantas bandeiras libertárias balancem. Ele respira Fed, ele sangra com Wall Street, ele desmaia com os PMIs da Europa. É dependência total do sistema que jurava combater. O sonho cypherpunk virou um produto financeiro com cosplay de rebeldia.
No final, a queda de hoje não revela nada novo, só expõe a farsa que sempre esteve ali. O mercado cripto não é independente, não é antimatrix, não é salvador. É só mais uma engrenagem frágil em um mundo que oscila entre surtos de euforia e colapsos emocionais. E enquanto essa fantasia continuar útil para alguém, o bitcoin vai seguir caindo, subindo, caindo de novo, e todo mundo fingindo que isso é normalidade — porque admitir o contrário seria encarar o vazio.
Fonte: Moneytimes e InfoMoney.