O Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 2018. A decisão veio após um julgamento que durou dois dias e foi marcado por depoimentos de testemunhas, réus e familiares das vítimas, além de apresentações de provas pelo Ministério Público. Lessa recebeu uma pena de 78 anos e 9 meses, enquanto Élcio foi sentenciado a 59 anos e 8 meses.
O julgamento durou dois dias e ocorreu no 4º Tribunal do Júri do Rio. Familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes acompanharam a sessão no tribunal, incluindo Marinete Silva e Antônio Francisco, pais da vereadora, e Mônica Benício, viúva de Marielle. No primeiro dia do julgamento, familiares se emocionaram ao ouvir os depoimentos e assistiram à exibição de provas da acusação, incluindo a reconstituição do crime e relatórios de perícia. A acusação foi representada por promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro, que solicitaram uma pena de 84 anos para cada réu, mas afirmaram que recorrerão para aumentar as penas.
Durante o julgamento, Lessa e Élcio confirmaram sua participação no crime. Lessa admitiu ter disparado contra Marielle, alegando que ela teria se tornado “pedra no caminho” dos mandantes do crime. Élcio, que dirigiu o Cobalt usado na emboscada, afirmou ter sido chamado para um “trabalho”, mas alegou que não sabia do plano até o momento em que chegaram ao local do ataque. No entanto, a promotoria destacou que a confissão de ambos aconteceu apenas após a oferta de benefícios por meio de um acordo de delação premiada.
O acordo de delação reduziu significativamente o tempo de prisão dos dois ex-PMs. Pelo acordo, Élcio deverá cumprir no máximo 12 anos em regime fechado, enquanto Lessa cumprirá 18 anos em regime fechado e mais 2 anos em regime semiaberto. As penas começaram a contar desde a prisão dos réus em março de 2019, o que significa que Élcio poderá estar em liberdade em 2031 e Lessa, em regime semiaberto, a partir de 2037.
Além das penas de prisão, a sentença exige que ambos paguem uma indenização total de R$ 3,5 milhões às famílias de Marielle e Anderson, dividida entre Mônica Benício, viúva de Marielle; Arthur, filho de Anderson; Marinete, mãe de Marielle; e outras vítimas. A decisão ainda inclui uma pensão a ser paga ao filho de Anderson até que ele complete 24 anos.
No primeiro dia de julgamento, oito testemunhas foram ouvidas, entre elas Marinete Silva, mãe de Marielle, e Fernanda Chaves, assessora da vereadora e sobrevivente do atentado. Fernanda deu um depoimento sobre o momento do ataque, descrevendo como Marielle ficou imóvel e como os tiros atingiram Anderson. Segundo Fernanda, embora já se tenham passado mais de seis anos, o trauma permanece.
A defesa dos réus, representada pelo advogado Saulo Carvalho, tentou afastar a motivação política para o crime, argumentando que a motivação estaria relacionada a interesses financeiros de milícias no Rio de Janeiro. O advogado defendeu uma pena reduzida para Lessa, considerando a confissão do crime e o papel dele na elucidação do caso.
O Tribunal do Júri que decidiu pela condenação dos réus foi composto por sete homens brancos. A defesa de Ronnie Lessa dispensou a presença das duas únicas mulheres entre os jurados, alterando a composição para um grupo exclusivamente masculino. A decisão gerou críticas, mas a defesa utilizou um direito previsto na legislação brasileira, que permite a dispensa de até três jurados sem justificativa.
O caso, que repercutiu mundialmente, gerou uma série de desdobramentos em investigações sobre a atuação de milícias no Rio de Janeiro e as ligações com políticos locais. Em junho de 2024, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra os acusados de serem os mandantes do crime, incluindo Chiquinho e Domingos Brazão, além do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa. O julgamento dos mandantes ainda não tem data marcada, mas deve ocorrer até o final do ano.
As investigações sobre o assassinato de Marielle e Anderson também revelaram detalhes sobre a atuação dos réus no período anterior ao crime. Relatórios de perícia indicaram buscas na internet feitas por Lessa, relacionadas a armas e a informações sobre a rotina de Marielle Franco. Além disso, os acusados utilizaram um jammer, equipamento que impede o rastreamento de celulares, para dificultar a localização de Marielle e seu motorista.
A delação premiada dos réus permitiu que as investigações avançassem, identificando suspeitos que estariam envolvidos no planejamento do crime. No entanto, o Ministério Público questionou a autenticidade do arrependimento de Lessa e Élcio, alegando que a delação aconteceu apenas após terem sido pressionados pelas investigações.
O caso Marielle Franco continua repercutindo no Brasil e no exterior, com organizações de direitos humanos acompanhando o julgamento dos acusados e cobrando maior transparência e rigor nas investigações.
Fonte: AgênciaBrasil e G1.